Bisilliat, Maureen (Englefield Green - )

Vida: 
1931
País: 
Reino Unido
Autor: 
Pérola Martins Lannes
Campo de atuação: 
Fotojornalismo
Fotodocumentarismo
Trajetória fotográfica: 
Revistas Realidade
Revista Quatro Rodas
Destaques: 
Montagem e curadoria do “Pavilhão da Criatividade” da Fundação Memorial da América Latina
Documentário “Xingu/terra”
Exposição e livro “Fotografias”, do Instituto Moreira Salles
Prêmio de "Melhor Fotógrafo" da Associação dos Críticos de Arte de São Paulo (1987)

Sheila Maureen Bisilliat nasceu em 1931 na cidade de Englefield Green, no estado inglês do Surrey. Seus pais são um diplomata de origem ítalo argentina e uma pintora e artista plástica irlandesa, Sheila Brannigan. Graças à profissão do pai, Maureen passou sua infância radicada em vários países diferentes: Inglaterra, Estados Unidos, Dinamarca, Colômbia, Argentina e Suíça.

Este desenraizamento levou Maureen a fixar residência no Brasil em 1957, depois de estudar pintura em 1955, na cidade de Paris,  com o escultor e pintor cubista francês André Lhote, e arte, em 1957, em Nova York, na Art Students League, com Morris Kantor, pintor russo de naturalização norte-americana. Sua paixão pelo país levou a sua naturalização como brasileira e à fama de ser “a mais brasileira das mulheres nascidas na Inglaterra”, segundo Antônio Abujamra.

Apesar de sua formação e seu início de carreira como pintora, Bisilliat logo migrou para a fotografia como suporte artístico, ainda no século XX. Arte que a tornou famosa, a fotografia foi a principal linguagem do trabalho de Maureen até meados dos anos 1980, quando a artista passa a se dedicar cada vez mais ao vídeo, em especial ao documentário.

No âmbito de seu trabalho fotográfico, um dos maiores destaques são as séries nas quais Bisilliat percorre o Brasil retratando paisagens elucidativas de grandes obras da literatura brasileira – há trabalhos deste tipo referentes a produções de nomes como João Guimarães Rosa, Jorge Amado, Euclides da Cunha, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Adélia Prado e Mário de Andrade.

Vem dos livros produzidos a partir deste projeto fotográfico-literário uma evidência do diálogo permanente que Bisilliat estabelece entre imagem e palavra escrita. Em publicações como "A João Guimarães Rosa", feito sob o incentivo do próprio escritor, em 1966, as legendas das fotos são trechos da obra literária inspiradora. A fotografia, através desta hipertextualidade e do caráter sequencial e rítmico do trabalho, sugere uma função narrativa. E é através destas ferramentas que Maureen reconta grandes histórias brasileiras.

Outro importantíssimo destaque de sua obra fotográfica (que totalizam cerca de 16 mil itens depositados no Instituto Moreira Salles desde 2003, sob a curadoria da própria Bisilliat) são suas fotografias dos anos em que trabalhou para a Editora Abril (1964 a 1972), fazendo fotorreportagens para as revistas "Realidade" e "Quatro Rodas".

Um de seus trabalhos mais conhecidos para a "Realidade" é a série "Caranguejeiras", feita tanto em preto-e-branco quanto em cores, nos mangues pernambucanos. O olhar de Bisilliat para os trabalhadores de ambos os sexos e de todas as idades que aparecem catando caranguejos na lama não é de piedade, nem tampouco de denúncia social, mas de exaltação da força e da beleza do povo retratado.

Esta mesma linha é seguida em suas fotografias de indígenas. Bisilliat retratou - a pedido dos Villas-Bôas - o dia-a-dia dos índios do Parque Nacional do Xingu, em várias viagens que fez para lá, sobretudo nos anos 1970. A forma como este povo é apresentado ao grande público é respeitosa de sua força, dignidade e conceitos estéticos. De certa forma, podemos dizer que o olhar de Maureen busca o que há de bom na vida do índio tradicional.

De sua vivência com os índios, surgiram dois livros de fotografias com auxílio textual dos Villas-Bôas, ambos intitulados "Xingu": o primeiro (de 1978) com o subtítulo "Detalhes de uma cultura" e o segundo (de 1979), "Território tribal"; e um documentário em longa metragem, "Xingu/terra", que dirigiu em parceria com Lúcio Kodato também na década de 1970.

Outro ponto fonte do acervo de Bisilliat são os registros fotográficos de suas viagens ao exterior enquanto fotojornalista (ou já como fotodocumentarista, já que tanto a Realidade quanto a Quatro Rodas davam espaço para fotografias ensaístas), em especial sua celebrada série na China.

Bisilliat fotografou o país nos primórdios de sua abertura para o Ocidente, como nos conta a própria: "[...] fomos acolhidos pela atendente oficial do bureau, uma antiga e pequenina senhora que, percebendo nossa confusão e fitando-me duramente no olho disse, num inglês ali chamado de pidgin-english: 'Você doida demais, eu ajudo, mas, veja mapa na parede e aponte para todas partes querendo visitar!'

"Obedecendo ordens, apontei para essa e aquela região desse enorme país, perplexa, tentando me lembrar do nosso plano de ação: Hohhot, Inner Mongolia, Satong, Xian, Guanzhou, Gueilin e, naturalmente, Beijing, início dessa nossa viagem curta e rápida demais. "Ok!", disse ela, "aqui tens permissão para 15 dias, você vai nesses lugares, mas somente para esses lugares e nenhum outro lugar podes ir!"; sua confiança na minha "doidice" possibilitou uma proeza rara: a liberdade de perambular, dia e noite, por aqui e por ali, a sós, sem os freios de guia oficial." (BISSILLIAT, 2013)

Estes registros compõem uma visualidade do desconhecido que também vai abranger viagens à África, Líbano e Japão. Até mesmo as fotografias feitas no Brasil, onde Maureen vive há mais de cinquenta anos, carregam esta preocupação em mostrar o país que poucos enxergam, seja o Brasil indígena, seja o Brasil sertanejo, seja o Brasil negro.

Aliás, a presença negra é muito significativa em diversos trabalhos de Bisilliat, notadamente o ensaio "Pele Negra" (primeiro trabalho fotográfico de Maureen, de 1963), suas fotografias de sambistas cariocas, de cerimônias religiosas do Candomblé e de manifestações culturais como o Bumba-meu-boi e o Afoxé de Caboclo.

Em suma, a visão de Maureen Bisilliat sobre o Brasil é otimista, amorosa (sem ser piegas) e forte, é a visão de alguém desgarrada que finalmente encontrou um lar. É uma ode à brasilidade. Este espetáculo é proporcionado pelo senso de claro e escuro e pelos enquadramentos surpreendentes que foram trazidos de sua experiência com a pintura. Outro recurso que Bisilliat emprega como poucos é o uso das cores, sobretudo em seu trabalho no Xingu, no qual explosões de vermelho, amarelo, preto preenchem o enquadramento, dando um toque épico à beleza indígena.

As séries fotográficas desta artista foram, via de regra, editadas (inclusive por ela mesma) em livros, sendo os principais: "A João Guimarães Rosa", 1966; "Xingu - Detalhes de uma cultura", 1978 e "Xingu - Território Tribal", 1979; "Terras do Rio São Francisco", 1985; "A Visita", 1977, no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987); "Sertão, Luz e Trevas", 1983, no clássico de Euclides da Cunha (1866 - 1909); "O Cão sem Plumas", 1984, no poema de mesmo título de João Cabral de Melo Neto (1920 - 1999); "Terras do Rio São Francisco", 1985; "Chorinho Doce", 1995, com poemas de Adélia Prado (1935); "Bahia Amada Amado", 1996, com seleção de textos de Jorge Amado (1912 - 2001); "Fotografias", de 2009, fruto de sua parceria com o Instituto Moreira Salles.

Quanto a exposições individuais, sua primeira foi já em 1965, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Em 1985 expõe em sala especial na 18ª Bienal Internacional de São Paulo um ensaio fotográfico inspirado no livro O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade (1893 - 1945). Em 2009 expôs parte de seu acervo no IMS, sob sua própria curadoria, na mostra intitulada simplesmente "Fotografias", que buscou traçar uma retrospectiva de sua carreira.

Além disso, ao lado de seu segundo esposo, o francês Jacques Bisilliat, e do arquiteto Antônio Marcos Silva, Maureen se engajou na criação da Galeria de Arte Popular O Bode, entre 1972 e 1992. A artista percorreu o território brasileiro à procura de obras de criadores e artesãos de cunho popular, para assim edificar o patrimônio desta instituição, trabalho semelhante àquele feito para a criação do "Pavilhão da Criatividade" do Memorial da América Latina, quando, a convite de Darcy Ribeiro, Bisilliat percorreu a América Latina para angariar um acervo de arte popular.

Bisilliat também recebeu bolsa da John Simon Guggenheim Foundation, Estados Unidos (1970), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1981/1987), da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (1984/1987) e da Japan Foundation (1987). Formou o acervo de arte popular do "Pavilhão da Criatividade" do Memorial da América Latina, São Paulo, o qual dirigiu por anos. Recebeu o prêmio de "Melhor Fotógrafo" da Associação dos Críticos de Arte de São Paulo (1987).

Referências: 
Antônio Abujamra entrevista a fotógrafa Maureen Bisilliat. Provocações: TV Cultura, 2010. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UZo01HI8MdE>, <https://www.youtube.com/watch?v=2jgYkFDrgvg> e <https://www.youtube.com/watch?v=Vy-knAREaYw>. Acesso e
Bisilliat, Maureen (1931). In: Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. 2012. Disponível em: < http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=2768>. Acesso em: 14/06/2014.
BISILLIAT, Maureen. Perambular é um prodígio. Blog do IMS, 2013. Disponível em: <http://www.blogdoims.com.br/ims/perambular-e-um-prodigio-por-maureen-bisilliat>. Acesso em: 14/06/2014.
COELHO, Maria Beatriz. Imagens da Nação – brasileiros na fotodocumentação de 1940 até o final do século XX. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Edusp, 2012.
FONSECA, Eder. "Realidade foi um momento de inteligência". Panorama Mercantil, 2014. Disponível em: <http://www.panoramamercantil.com.br/realidade-foi-um-momento-de-inteligencia-maureen-bisilliat-fotografa-e-documentarista/>. Acesso em: 15/06/2014.
LEITE, Marcelo E. Realidade: O fotojornalismo [autoral] de uma revista. Juazeiro do Norte. 2013. Disponível em: <http://realidade.ufca.edu.br/index.php/depoimentos/61-maureen-bisilliat>. Acesso em: 14/06/2014.
Maureen Bisilliat. Coleção Pirelli / MASP de Fotografia. <http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/2/obra/4>. Acesso em: 12/06/2014.
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Maureen Bisilliat: Um olhar cênico e plástico sobre o Xingu. O índio na fotografia brasileira. <http://povosindigenas.com/maureen-bisiliat/>.Acesso em: 13/06/2014.
MENGOZZI, Federico. Brasilidade. Conversa com Maureen Bisilliat. Nossa América, Revista Memorial da América Latina, nº 21, 2004. Disponível em: <http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/revistaNossaAmerica/21/port/64-brasilidade.htm>. Acesso em: 13/06/2014.
MORAES, Dulce. Pura Energia. Brasileiros, 2010. Disponível em: <http://www.revistabrasileiros.com.br/2010/06/28/pura-energia/#.U5xsyPldXCc>. Acesso em: 14/06/2014.

 

 

ISBN: 978-85-63735-10-2