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Acervo Trajetórias Docentes

Entrevistado: Marcos Pinheiro Barreto
Entrevistador: Memorial - PROFHISTÓRIA
Tipo: história de vida
Duração:
Local:
Data: 04/06/2019
Sumário

Marcos Pinheiro Barreto participou do PROFHISTÓRIA (Entrega do memorial – 03/2018)

 

MEMORIAL DE UM PROFESSOR VETERANO

Prof. Marcos Pinheiro Barreto

 

Fui convidado a participar dessa significativa coleção de memoriais pelo Everardo, com quem tive o prazer de trabalhar na disciplina que suscitou a elaboração deles pelos docentes/estudantes do Mestrado do ProfHistória. Fiquei honrado, naturalmente, pois dividimos uma rica experiência com a turma de professor@s em questão, que serão mais conhecid@s através de seus memoriais.

Para iniciar minha contribuição, preciso esclarecer que minha trajetória de professor não se inicia com o ensino de História. Tudo começou com a desistência de um curso de arquitetura iniciado na UFRJ em meados dos anos 70, por conta de três derrotas consecutivas em Cálculo, além da forte desconfiança de que não seria um bom arquiteto. Sem rumo e com tempo disponível, iniciei uma série de leituras sobre os problemas brasileiros que me mobilizavam bastante, de modo a buscar um caminho para seguir.

Além da leitura de todos os jornais da imprensa alternativa, que combatiam a ditadura militar, como o Pasquim, o Opinião e o Movimento, procurei estudar melhor a História do país. Uma leitura, no entanto, provocou-me um forte impacto, a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, que me estimulou decisivamente para entrar no campo da educação. Na ocasião, conheci uma escola de inspiração montessoriana, Aldeia Curumim, em Niterói, onde residia desde os 14 anos. Trata-se de um belo sítio adaptado para funcionar como escola com turmas de educação infantil, na época chamada de pré-escolar, e do antigo primário. Seus proprietários buscavam consolidar um projeto de educação que afirmasse a liberdade e a curiosidade, estimulando a atividade criativa dos alunos. Críticos em relação ao ensino tradicional, inclusive dos cursos de formação de professores, aceitavam estagiários de diversas áreas para conhecerem o projeto pedagógico da escola. Fui um estagiário entusiasmado, sendo contratado como professor da pré-escola em 1977, atuando nas turmas de 2 e 4 anos por três anos.

Nesse meio tempo, me tornei militante de uma organização trotskista, ainda na clandestinidade, além de ter sido aprovado no vestibular para o curso de História da UFF, iniciado em 1978. Numa conjuntura marcada pela reorganização dos movimentos sociais e pela retomada das manifestações contra a ditadura, o desejo de ser um professor de História se confundia com a luta política que tinha o socialismo como horizonte, a despeito de todas as clivagens que dividiam a esquerda brasileira no momento.

Em 1979, tivemos grandes greves de trabalhadores no país. Além da emblemática greve dos metalúrgicos, que projetou Lula como a principal liderança de um novo e combativo sindicalismo, tivemos em muitos estados, entre eles, o Rio de Janeiro, a emergência do movimento sindical d@s professor@s. Tendo participado da organização do Centro de Professores do Rio de Janeiro(CEP)1, que buscou reunir professores da rede pública e privada, atuei como voluntário na grande greve dos professores da rede estadual, em 1979, que resultou na prisão de uma importante liderança, Godofredo Pinto, mantido em regime de incomunicabilidade. Como reação ao arbítrio do governo estadual, algumas escolas privadas organizaram uma paralização de um dia, exigindo a soltura do líder grevista, entre elas a Aldeia Curumim, contra a vontade de seus proprietários/diretores. Acabava assim, minha carreira de professor de educação infantil, pois não sem razão fui responsabilizado de ter estimulado @s demais professor@s a participar da paralização.

Terminei o ano de 1979 desempregado e casado com uma das professoras da escola, a Fatinha, com quem continuo casado até hoje. Um amigo, que também havia sido professor da mesma escola, mas já atuava na cidade do Rio de Janeiro, preocupado com minha situação crítica, me indicou para lecionar numa escola de onde ele estava saindo. Esse amigo, estudante de Ciências Sociais na UFF, dava aulas de Geografia em escolas da rede privada. Assim, premido pela necessidade, não hesitei muito para assumir as aulas de Geografia para as turmas de 5ª à 8ª série. É preciso esclarecer que os cursos de Geografia de então formavam pouquíssimos professores, e, além disso, invariavelmente tinham um currículo fortemente positivista, com acento na Geografia Física. As escolas mais progressistas, que começaram a surgir nos anos 80, com o avanço das lutas democráticas, procuravam docentes mais críticos, como foi o caso da escola aonde iniciei essa experiência.

Estudar Geografia se impôs como uma necessidade profissional, mas acabou por revelar-se muito fértil para suprir muitas lacunas de minha formação ainda por concluir na licenciatura de História. Aprendi a considerar a dimensão ambiental, ou seja, procurar entender o lugar da natureza nos processos históricos. De outro modo, creio que pude enriquecer o ensino de Geografia com a história dos espaços, dimensão negligenciada na formação dos geógrafos de então. Mesmo com a conclusão da licenciatura em História em 1982, “virei” um professor de Geografia, para turmas de 1º e de 2º graus, em várias escolas, duas das quais sou obrigado a citar por terem sido mais significativas para a minha formação de professor: Escola Senador Correia (Laranjeiras-RJ), aonde atuei por sete anos como professor das turmas de 5ª a 8ª série, e, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da FIOCRUZ, como professor das turmas de 2º grau técnico, por quatro anos.

Na primeira pude participar de experiências interdisciplinares interessantes, onde dei os primeiros passos na Educação Ambiental, bem antes da ECO 922, campo em que atuo até os dias de hoje.

A segunda escola (EPSJV) merece um esclarecimento, pois ela organizou um bem sucedido curso técnico, baseado no conceito de politecnia, como alternativa ao tecnicismo dominante no país, recrutando professores da rede pública estadual, em regime de convênio, para atuarem com as disciplinas tradicionais do ensino de 2º grau, enquanto os pesquisadores da Fiocruz assumiam as disciplinas propriamente técnicas. Que tortuoso caminho poderia me levar até essa escola?

Bom, tudo começa com a convocação em 1986 para assumir uma vaga de professor de História na rede estadual, conquistada em concurso público, em Bacaxá, distrito de Saquarema. Lá chegando para tomar posse, fui informado que a necessidade era para a disciplina de Geografia. Sem brigar com minha sina, por lá fiquei trabalhando por cerca de um ano e meio, até conseguir transferência para uma escola estadual em São Gonçalo, com a esperança de trabalhar com História. Até então, minhas experiências com o ensino de História haviam sido frustrantes, em relação às de Geografia, pois as escolas eram muito ruins e conservadoras, tanto do ponto de vista acadêmico como das relações de trabalho, tendo conseguido pelo menos três demissões, invariavelmente por desobediência.

Em São Gonçalo tive mais uma frustração, pois ao invés da disciplina História, recebi dez turmas de OSPB, com uma aula semanal, no ensino regular e na educação de adultos, sem muita perspectiva com relação à disciplina de História, com equipe completa e aliada de um diretor bastante autoritário.

Como havia ingressado no Mestrado em Educação na UFF, em 1987, compartilhei meu desconforto em relação à matrícula na rede estadual com uma professora, minha colega, que trabalhava com vivo entusiasmo no novo curso da EPSJV/FIOCRUZ. Ao saber de minha experiência com o ensino de Geografia, me convidou para me apresentar aos coordenadores do curso, que estavam insatisfeitos com o trabalho do professor de Geografia que havia sido cedido pela Secretaria Estadual de Educação. A conversa foi ótima e minha cessão foi solicitada para trabalhar no curso de formação de técnicos em saúde, lecionando Geografia com muita satisfação, até 1991. Em tempo: o tema de minha dissertação de mestrado foi no campo da Educação e Saúde, investigando a dimensão educativa de um movimento popular de saúde em Cachoeiras de Macacu (RJ).

Na década de 90, enfim, consegui ter experiências mais satisfatórias com o ensino de História. Primeiramente numa escola sustentada por uma cooperativa de pais e professores, a Escola Nossa (Niterói), sem donos tradicionais, onde por dois anos dei aulas de História para turmas de 5ª a 8ª série, com relativa liberdade para experimentar aproximações com docentes de outras disciplinas. Mas, a experiência mais significativa me aguardava em Minas Gerais, com a aprovação num concurso para professor de História promovido pelo Colégio Universitário (COLUNI), pertencente à Universidade Federal de Viçosa. Mudamos, com nossas três filhas, para a zona da mata mineira no ano de 1994.

Por três anos (1994/1997) me dediquei integralmente ao trabalho com as turmas do Ensino Médio, ensinando História em condições muito favoráveis, com ótima infraestrutura institucional e material, além de um alunado muito estimulante. Salvo o conservadorismo que dominava a vida acadêmica e a vida da cidade, que frustravam algumas possibilidades pedagógicas mais audaciosas no sentido de se buscar uma qualidade de ensino mais crítica e menos cartesiana, pude amadurecer muitas estratégias pedagógicas naquela escola.

Por uma série de razões, entre elas o arrocho salarial imposto pelos governos de FHC, a saudade da família, além dos limites conservadores já mencionados, decidimos deixar tudo para trás e voltar para Niterói.

No ano de 1998, consegui retomar o trabalho de professor, dividindo meu tempo entre uma escola particular em Niterói, ensinando História para turmas do ensino médio, e, minha primeira experiência no ensino superior, sendo contratado pela Faculdade de Formação de Professores/UERJ, como professor substituto, para trabalhar duas disciplinas de Prática de Ensino de História.

No ano seguinte, em 1999, disputei com sucesso uma vaga para professor de Didática e Prática de Ensino de História na Faculdade de Educação da UFF.

Ao longo de dezessete anos atuei em duas áreas: o ensino de História, com as disciplinas de Didática do Ensino de História e de Prática e Pesquisa de Ensino (I, II, III e IV) para atender a licenciatura do curso de História, além do trabalho com as questões socioambientais, com uma disciplina optativa chamada Educação e Meio Ambiente, oferecida para o curso de Pedagogia e outras licenciaturas.

Tendo me aposentado em 2016, continuo trabalhando com formação de professores, na medida em que fui aceito para integrar o corpo docente do ProfHistória/UFF. Além de trabalhar com a disciplina História do Ensino de História, elaborei uma disciplina optativa chamada Educação, História e Meio Ambiente, já oferecida uma vez em 2017.

Só para esclarecer a insistência de um professor de História com os temas ambientais; além da experiência como professor de Geografia, que me aproximou dos estudos ecológicos, procurei aprofundar meu interesse na pesquisa de doutoramento, defendida em 2007, com o título “Educação e Meio Ambiente: a formação de professores em tempos de crise.”

Como a história não tem fim, assim tenho me mantido atento aos desafios políticos e pedagógicos dos tempos críticos que vivemos, dos quais não posso nem desejo me aposentar.

1Nos anos oitenta, essa organização ganharia dois outros nomes; Centro Estadual dos Profissionais de Educação (CEPE) em 1987, incluindo os profissionais não docentes em sua base, e, Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE) em 1989.

2 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

 

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