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Acervo Trajetórias Docentes

Entrevistado: José Carlos Napoleão Junior
Entrevistador: Memorial - PROFHISTÓRIA
Tipo: história de vida
Duração:
Local:
Data: 03/01/2018
Sumário

José Carlos Napoleão Júnior participou do PROFHISTÓRIA (Entrega do memorial – 03/2018)

 

Memorial

 

A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim

mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo.

Eduardo Galeano

 

Eu sou professor, identidade desafiadora por si só e revolucionária, nos tempos atuais e tenho, agora, a tarefa de olhar e lembrar, rememorar. Como farei isso com auxílio das muitas vozes dos que caminharam comigo, vou rememorar junto, vamos co-memorar.

Um engenheiro vê nos prédios que constrói o seu fazer, bem ou mal logrado, assim como, artesãos experimentam ver em sua obra, a beleza do seu trabalho. Contudo, o professor, especialmente o de História não tem as mesmas felicidades imediatas, pois o seu trabalho toca vidas e não coisas. O terreno das “construções” dos docentes são as mentes e corações, e nem mesmo os mais modernos equipamentos de diagnósticos ou avaliações institucionais podem ver seu interior.

Então, o que fazer para que o agir dos professores de história não se perca nas lembranças? A resposta sugerida é contar, num exercício de memória, num fazer historiográfico, do qual esse trabalho vai se ocupar. Afinal, a história do ensino de historia se escreve no chão das salas e universo das almas. É preciso colocar na folha do papel a história escrita em várias salas, com o trabalho de professor do autor desse texto.

 

APRENDENDO A ANDAR

É difícil precisar quando começou a formação de minha trajetória de professor, afinal, entendo que os bancos da universidade não iniciaram esse processo, nem têm exclusividade na educação profissional e vocacional, que nem sequer acabou (nem acabará) sua formação.

É difícil separar a formação profissional da vida como um todo, mas uma análise, que se pretende mais objetiva, leva-me aos recreios de minha 2ª série (3º ano do Ens. Fundamental), no Colégio Santa Rita de Cássia, em Vilar dos Teles, quando trocava as brincadeiras com os colegas de classe pela prestação de desajeitada ajuda à “Tia”, com as crianças do Jardim de Infância. Inconscientemente, dava os primeiros passos nessa jornada.

Sou um negro, morador da Baixada Fluminense, para a minha mãe, eu estudar não era opcional, era fundamental. Embora tenha crescido em uma família feliz e bem estruturada (apesar de ter perdido o pai aos seis anos) e num bairro tranquilo, onde tive uma infância recheada de diversão, o perigo sempre esteve por perto, a criminalidade seduziu muitos amigos, porém a educação sempre me pareceu o melhor caminho para o sucesso.

Por volta dos anos 2000, aos 17 anos, conclui o Ensino Médio e prestei vestibular para várias universidades públicas. Apesar das dúvidas, tive inesquecíveis professores, queria ser como a Denise Ramos e o Carlos Prima. Por isso, sempre olhei com bons olhos para Comunicação Social e/ou Licenciatura em História, a exceção foi a escolha de tentar Educação Física na UFRJ, como resultado do meu gosto por esportes. Mas, apesar das tentativas, não fui classificado, embora aprovado e na lista de espera para reclassificação. Cheguei a tentar outra vez, mas sem êxito.

Foi nesse momento, que percebi como a vida é tão boa e tão difícil, ao mesmo tempo. Não queria ser um fardo à minha mãe, mas não conseguia emprego, até que, na segunda metade de 2001, as circunstâncias melhoraram muito, comecei a namorar a Renata, a única, última e eterna namorada e esposa e a trabalhar numa papelaria em Duque de Caxias. Pouco tempo depois fui contratado por uma loja de departamento multinacional, onde os clientes usam e abusam da moda, lugar incrível.

Trabalhando, passei a ter condições econômicas de pagar a mensalidade do Curso de Licenciatura Plena em História, do Centro Universitário Augusto Motta. O vestibular, não foi nada demais, mas as aulas foram desafiadoras. A dificuldade das disciplinas, o pouco didatismo de alguns professores, o volume de leituras e o pouco dinheiro concorriam com o cansaço e tornavam os anos de estudo, anos de lutas. Estudava pela manhã e trabalhava, à tarde e parte da noite, mas a cada dia tinha mais certeza da correção da escolha do curso, da escolha da profissão. Aulas como as do professor de Português Instrumental, Mário Porto, que apesar das limitações que o mal de Parkison lhe impunha, continuava a lecionar, dizendo que o dia que parasse, morreria. Ele estaria orgulhoso de mim, nesse momento, por fazer esse registro, pois repetia para nós que verba volant scripta manent.

Durante os anos de curso, de diferente do Ensino Médio, apenas o volume de leitura e a seriedade do processo, porém a metodologia era até bem semelhante: Aulas, trabalhos e provas. Na turma, tinha até aqueles que tentavam “colar” e pediam para colocar o nome em trabalhos em grupos, dos quais não haviam participado, um fenômeno conhecido como alunificação, que ocorre com quase todos os seres humanos, ao entrarem em sala de aula.

Contudo, os grandes desafios do curso, talvez tenham sido as disciplinas História da Ásia e História Contemporânea, com o professor Domingos Pereira. As disciplinas eram difíceis e fantásticas, mas o professor, além de saber muito sobre os temas, sabia nos fazer entender. Tanto que ele se tornou o patrono de nossa turma.

Também contribuíram, para a formação de minha identidade de professor, o professor Luiz Antônio, de Antropologia, metódico e com sua linda letra a lousa; a despojada e jovial, professora Marize Cunha de Historiografia e Prática de Ensino; o professor (papai, pela semelhança) José Luís, de História Medieval e Brasil; o gentil professor Edelberto Ferreira, de Filosofia da História; e a louquinha professora Esther Kuperman, de Introdução ao Estudo de História. Porém o professor que mais emprestou sentido à minha formação, sem dúvidas, foi o professor Giovanni Codeça, jovem e irreverente, dele recebi a orientação no trabalho de conclusão de curso, fantásticas aulas de Historia do Brasil, a incrível história de Canudos e ainda fui seu monitor, na disciplina História do Brasil.

Agora, aproveito para ressaltar a valiosa parceria e cumplicidade de todos os colegas de classe, muito especialmente, a do amigo e exemplar líder, Ednaldo da Costa Pereira, meu eterno amigo, Naldo.

Além das aulas, para completar a graduação, eram necessárias muitas horas de estágio. As cumpri em duas instituições de minha cidade, na Escola Municipal Adérito Gomes Gouvea, onde vi de perto a precariedade estrutural, o pouco interesse dos estudantes e, muitas vezes, até dos professores, que disseram que minha energia e brilho no olhar em pouco tempo, se apagaria e no Colégio e Curso GPI, em Vilar dos Teles, onde apesar da estrutura enxuta tive a primeira grande experiência em sala de aula, uma regência para uma turma de concluintes do Ensino Médio e vestibulandos, do professor Felipe Robledo (que me indicaria o meu primeiro emprego como professor de História). Antes da aula, eu tremia de insegurança e nervosismo, mas quando começou, consegui ser aquele cara divertido e sorridente de sempre, fui tomado por uma sensação fantástica a cada instante em que percebia que os estudantes entendiam o que eu dizia. Saí da sala extenuado, mas convicto de que estava no caminho certo, o desafio seria andar nele e continuar aprendendo, para andar cada vez melhor, e até dar umas corridinhas.

A formatura do curso aconteceu no inicio do ano de 2005, na presença de professores, familiares e amigos, eu saía daquela faculdade, cheio de sonhos e expectativas, mas certo de que com estudo, trabalho e dedicação, muito era possível.

 

DA CAMINHADA À CORRERIA

É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer.

Aristóteles

 

Já ouvi, muitas vezes: - você é tão inteligente, por que escolheu ser professor?; - vai ser pobre, hein!?; - ensinar História, coisa chata! Tudo decoreba! Tenho uma resposta para todos esses questionamentos: Amo fazer o que faço (embora pudesse fazer menos e com melhor remuneração!). Sei que parece loucura a muitos, tudo bem! Sei há utilidade nas loucuras que confundem sábios! E ainda que Escolas Sem Partido tentem cortar minhas asas, não há como me fazerem desaprender a voar, esses são meus superpoderes!

A primeira vez que pude chamar uma sala de aula de minha, foi quando, ainda na faculdade, assumi uma turma de Ética e Cidadania, numa ONG ligada a uma Igreja Presbiteriana, em Bonsucesso, na cidade do Rio de Janeiro. Ganhava muito pouco, mas me divertia e promovia atividades incríveis, numa turma composta por menores das comunidades humildes das redondezas, para a surpresa de muitos, não minha, havia muito empenho e ótimos estudantes. Eu ainda não tinha muita experiência e conhecimento, para cada aula passava horas na preparação e a insegurança era uma constante, mas percebia que o trabalho dava frutos. Fiquei lá, por três semestres, até que eles pararam com o projeto.

Assim que terminei a faculdade, queria apenas dar aula, mas o inicio de carreira não é fácil. Como ainda não tinha emprego na área de educação, continuei na tal loja de departamento e à procura de escolas que me contratassem. Até que ouvi uma voz que me dizia para ser professor, então em setembro de 2005, resolvi tomar uma atitude mais radical, saí do emprego para estudar para o Concurso para o Magistério, em Duque de Caxias (o mais desejado da Baixada), tudo parecia claro e destinado ao sucesso. No entanto, não passei no concurso e ainda estava desempregado, mas essa atitude se mostraria a mais acertada.

A solução foi, já em 2006, trabalhar no escritório de uma empresa, junto com meu padrasto, na EQUIPOMAN. Lá, outras habilidades seriam exigidas, mas em todos os ambientes existe a possibilidade de aprendizagem.

Certo dia, passados alguns meses, o telefone tocou, era o professor Felipe indicando uma turma de pré-vestibular, num curso preparatório, no Recreio dos Bandeirantes, a 38 km de minha casa, mas aceitaria com satisfação, pelos três anos seguintes. As aulas, como de praxe na maioria dos cursos, eram enciclopédicas, de transferência de conteúdo e exercícios para a fixação, com um público de razoável poder aquisitivo, mas pouca bagagem intelectual. Entretanto, buscava apresentar informações com precisão, transpondo o recorte do saber acadêmico, que caía nos principais vestibulares do Rio de Janeiro e do ENEM. Trabalhava no curso, às quartas, pela manhã e no restante da semana útil, continuava no escritório.

No ano de 2007, comecei um Curso de pós-gradução latto sensu, em História do Brasil pós-1930, na Universidade Federal Fluminense – UFF, lugar de sonho de todo historiador e/ou professor de história carioca, até os flamenguistas, como eu. Entendia que o curso completaria algumas lacunas deixadas na minha graduação e acrescentaria valiosas informações às minhas aulas. Tudo isso ocorreu, lá aprendi muito, mas na época de conclusão do curso, já estava trabalhando bastante, ao ponto de perder o prazo da entrega do trabalho de conclusão e ficar sem a certificação do curso, embora tivesse feito todas as disciplinas com êxito. Mais lições para a vida!

Ainda em 2007, voltei a trabalhar na cidade de Duque de Caxias, agora no colégio particular, que levava o nome da cidade. Lecionava para turmas do 6º e do 7º ano do Ensino Fundamental e para tanto tinha o “apoio” do material didático da Rede Pitágoras, que era bom, mas pouco inteligível aos estudantes, por isso, pouco eficiente para aquele público. Em pouco tempo, pela repercussão de minhas aulas e abertura de novas vagas, assumi outras muitas turmas e a coordenação do ensino da disciplina história naquela escola. Amava cada turma, mas as aulas no Curso de Formação Geral eram fenomenais, mais do que transmitir conteúdo, começávamos a fazer boa relação entre o aprendido e a vida cotidiana. Eu entendi que para além de transmitir saber, era fundamental significá-lo.

Conheci muitos bons professores e profissionais da educação. Em sete anos de instituição, trabalhei com uma ex-professora do meu ensino médio, a brilhante Vânia Notarângelo e tive a felicidade de ver o início da carreira de professor de vários ex-alunos. Nessa escola, participei de feiras de ciência, gincanas e até torneios esportivos. Ali, eu vivi bons e difíceis momentos e aprendi muito, porém sua má gestão a levou à precarização, atrasos salariais e à minha, consequente, saída da instituição, em 2014.

Em 2008, entrei em mais uma instituição, essa voltada para concursos na área militar, escola técnicas públicas e vestibulares. Um tradicional colégio e curso, do bairro de Cascadura, no Rio de Janeiro. As marcas da instituição eram a disciplina e a abordagem factual dos conteúdos. Tive que me adequar, mas o amadurecimento me permitia imprimir às aulas o humor que entendo fazer parte de minha personalidade. Foram dois anos de uma rotina intensa, mas vantajosa, até que, outra vez, uma má gestão provocou longos atrasos salariais e, por conta disso, deixaria a instituição, em 2010.

Nesse ponto, uma importante ressalva se impõe. Nos primeiros anos, a insegurança e a sensação de não ter o conteúdo necessário para o exercício da profissão, causaram muita aflição, angústia e impaciência, resultando em horas de leitura e consultas a vários livros didáticos e apostilas, exigência do currículo prescrito.

O ano de 2008 foi incrível e de muitas mudanças, em junho me casei, comecei nova vida, nova casa, nova rotina e novas responsabilidades, certo amadurecimento se exigiu, mas a caminhada ia bem e essa nova realidade, certamente ajudou no fortalecimento da carreira.

Em 2009, começou um período de consolidação e crescimento de minha carreira, entrei no Curso (e Colégio, a partir de 2014) Fator, uma empresa privada de iniciativa conjunta de alguns professores, amigos e parentes, voltada para a preparação para exames de acesso às escolas técnicas e universidades públicas. Embora, também, dê ênfase ao conteúdo, exigência dos exames, o ensino na instituição ganha outras dimensões. As outras áreas são ativadas, artes, política e relações sociais e pessoais estão no dia-a-dia do processo de ensino-aprendizagem. Posso dizer que lá, sou professor, conselheiro, ator, cantor e feliz, entre muitas outras coisas.

Em 2010, passei no concurso da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, e tomei posse do cargo de professor em janeiro de 2011, fui apresentado à outra dimensão do ensino. Salas lotadas, algumas turmas com estudantes muito desinteressados e uma mistura de profissionais cansados e desmotivados e outros apaixonados e animados pela carreira. Mesmo assim, a estrutura física do CIEP 175, onde estou alocado, é muito boa e sua equipe diretiva é muito presente e preocupada com o processo e os processadores do ensinar e aprender. Com certeza, estar lá, vale a pena.

Em 2013, seria pai outra vez, depois do Daniel (2012), era a vez da chegada da Mariana. Mais uma vez, o coração acelerou e se encheu de alegria. Mas, se cresce a família, a renda tem que aumentar! Passei, então, para a Secretaria Municipal de Educação do Município de Belford Roxo. Chegou a hora de conhecer uma estrutura pedagógica engessada e precária. A burocracia e o mandonismo acabam dificultando o processo. Adiciona-se à equação a pouca renda do publico, que, por vezes, acarreta em menor cabedal cultural e a criminalidade na região, que já nos exigiu fechar as portas da escola. No entanto, com muita luta, conhecemos muitos sucessos, resultado do somatório de uma direção criativa, muitas vezes, miraculosa e um corpo docente de formação acadêmica bem superior ao imaginado para a localidade e tratamento recebido. Na escola, luta-se pela atenção estudante, pela participação dos pais e a presença dos professores. De todas as escolas onde leciono, essa é aquela onde o processo se dá com maior esforço e, aparente, menor “custo beneficio”.

Hoje, portanto, trabalho em três diferentes instituições, sou proletário do ensino, mas nadando contra essa maré, curso com esforço, mestrado profissional em Ensino de História, na sempre sonhada UFF, pois a caminhada ainda está longe do fim. Nem tão cedo, chegarei à aposentadoria. Com as mudanças que o atual governo pretender promover, já nem tenho certeza se me aposentarei. Porém, não conte a eles, pretendo ensinar até o último instante de minha vida, todavia, em menor quantidade e com maior qualidade.

 

CONCLUSÃO

A atividade docente, inúmeras vezes exige sacrifícios, não sou o único que já teve que “pagar para trabalhar”, mas não me arrependo de ter escolhido essa carreira, chego a pensar que fui eu, o escolhido. Não se trata de uma das mais valorizadas trajetórias profissionais, mas sem dúvidas, ela é fundamental. Aproveito para evocar um antigo jargão: - todos os profissionais, de todas as áreas precisaram de professores.

Manter a atenção e interesse dos estudantes é sempre um desafio, sobretudo num mundo multimidiático, como o atual. Para tanto, muitos recursos são úteis, informática, filmes, imagens e texto. Precisamos ser professores-multimídia, mas para mim, a mais preciosa no cotidiano do fazer, é o humor.

Tenho convicção de que comecei a caminhada com pernas errantes, magricelas e frágeis, hoje, porém dou passos mais seguros e férteis, embora as pernas continuem finas.

 

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