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Acervo Trajetórias Docentes

Entrevistado: André Elias Barreto da Silva
Entrevistador: Memorial - PIBID
Tipo: história de vida
Duração:
Local:
Data: 11/01/2017
Sumário

André Elias Barreto da Silva foi bolsista do Pibid no Subprojeto História UFF – 2014 (Entrega do memorial – 11/2017)

Memorial PIBID

 

Começar um texto é sempre uma tarefa complicada. Pensei muito sobre como estruturaria o meu e achei pertinente iniciar com a minha própria carta de intenções ao Pibid, e falar um pouco em cima da própria. Possuo menos de seis meses no programa, mas tentarei dimensionar minha participação, minhas frustrações, satisfações, minhas expectativas e o que eu já pude notar em mim mesmo de evolução na atividade docente.

 

Em minha carta de intenções eu escrevo o seguinte:

O meu propósito ao entrar no curso de licenciatura em História da UFF, sempre foi visando a docência. O que me fez escutar as velhas máximas “professor ganha mal”, “não é valorizado”, “vai morrer de fome, ter 3 matriculas pra sobreviver”. Vindas de pessoas próximas a mim, familiares e amigos. Entretanto, acredito que ser professor num cenário como este, de pouca valorização ao magistério e com governos que tratam da educação como um gasto e não um investimento. Torna a profissão ainda mais nobre. Um grande desafio eu diria. Mas na história sempre existiram pessoas que aceitavam tais adversidades e aqueles que lutavam para reformular a realidade. Eu prefiro me inserir no segundo grupo de pessoas, dos que apesar das dificuldades e desafios da educação, estão dispostos a enfrentar e sobretudo não desistir de uma educação que possa ter qualidade e ser libertadora de verdade.

Paulo Freire dizia, “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Portanto, compartilho da mesma ideia e acredito veementemente que o papel do educador seja um dos mais importantes para qualquer país que almeje maior igualdade e maior dignidade para seu povo. Não obstante, é imprescindível para a educação básica que se tenha profissionais competentes e capazes para tal função. Afinal, propagar o conhecimento e estimular o pensamento a fins de que o aluno possa ter esclarecimento, discernimento e crítica. Não é uma tarefa simples. Mas essencial para a sociedade. Principalmente quando se trata da questão social do Brasil. É através de uma educação básica de qualidade que o individuo poderá almejar passos maiores em sua vida.

Todavia, já tive a oportunidade de conhecer o universo do oficio do historiador graças a minha bolsa de desenvolvimento acadêmico. O que foi muito enriquecedor para minha formação. Entretanto, me sinto preparado para obter experiência, viver a realidade do ensino público estando do outro lado, uma vez que sempre estudei em colégios públicos e conheço bem a realidade. Além de poder contribuir com o aprendizado de alunos da rede pública. Que são capazes, embora todas as dificuldades. E poder incentivar e mostrar isso a eles será bastante gratificante para mim.

Com efeito, tenho certeza que aprenderei muito com a bolsa de iniciação a docência, e enriquecerei ainda mais o meu currículo a fins de me tornar um excelente profissional na área de ensino da disciplina de História.”

 

Expectativas e Frustrações

 

Confesso que apesar de saber das dificuldades que teria, achava que a atividade de docência seria mais fácil. Mas pôr em prática determinadas coisas é algo bem complexo. Abaixo falarei um pouco da teoria que acredito para uma educação de melhor qualidade para o Brasil, em meio às minhas expectativas e frustrações.

Particularmente gosto muito da linha de pensamento de Paulo Freire, sobre a educação no geral. Acredito como ele que o educador é um animador cultural, mediador do conhecimento historicamente acumulado, o educando um sujeito com cultura, sujeito histórico, e por fim o ensino é uma troca e interação para a leitura do mundo. Paulo Freire (1992), pregava o diálogo na educação. Mas pra ser ter uma educação dialógica, é preciso ter amor. O ato de amar é dialógico, porque é preciso ter coragem, determinação e comprometimento com o mundo e os homens. Fazer seu trabalho com amor é algo cada vez mais raro em nossa sociedade, principalmente em função do próprio capitalismo e suas mazelas. As pessoas não trabalham naquilo que gostam, mas sim naquilo que lhes dá dinheiro. Como relatei em minha carta, fui e sou criticado pela opção do magistério. Justamente pela debilidade econômica de uma profissional da educação no Brasil. Ainda mais agora com tantos retrocessos oriundos do governo Estadual e Federal.

A cada dia que passa de governo ilegítimo no país as minhas expectativas são mais frustradas. Hoje em dia penso que além das dificuldades estruturais das escolas, tenho que lidar com dificuldades políticas impostas de cima pra baixo que põem em risco meu próprio futuro profissional. Mas não sou o único, tenho ouvido cada vez mais de colegas que tem tido contato com a realidade das escolas que pensam em desistir da docência. Pois os prognósticos para o futuro não são dos melhores. Entretanto eu não penso em desistir, voltando na questão do amor, Che Guevara falava em “amor revolucionário”. Pra ele um revolucionário tem de ter amor para ser um revolucionário. (FREIRE, 1994). O sentido dessa frase é muito forte e óbvio. Se dedicar a educação no mundo todo, mas no Brasil hoje como nunca é antes de mais nada um ato revolucionário. E é preciso ter amor para conseguir seguir em frente quando nos depararmos com dificuldades. Não é fácil ser um revolucionário, não é fácil querer mudar o status quo. Só com amor mesmo para conseguir.

Junto ao amor, é preciso ter humildade e fé. Não há espaço para arrogância na educação. É preciso reconhecer a ignorância, sair do pedestal. Ser humilde para construir o conhecimento. E claro, é preciso ter fé. Oras, é preciso acreditar no fazer e no refazer do individuo mediado pelo mundo. Com isso é possível atingir a confiança. Algo essencial pra qualquer pessoa. Percebo essa falta de confiança gerada pelo ensino tradicional das escolas nos alunos. Eu tive essa falta de confiança, ainda tenho um pouco. Mas graças a muitos professores que tenho tido é que vou conseguindo ter cada vez mais confiança e firmeza pra me posicionar, discordar. Enfim, ter minha fala reconhecida no mundo.

Sinceramente não sei se minhas aulas serão capazes de fazer com que as pessoas rompam os grilhões que as acorrentam ou não. Me falta muita prática ainda, muita experiência ainda pra saber. Mas o importante pra mim será saber que pelo menos estou tentando, e que alguém vai entender isso e vai querer refletir sobre si e o mundo que a rodeia. Só por isso já terei ficado satisfeito. Afinal, mudanças às vezes requerem tempo, mas sempre tem de começar de alguma forma. Não importa se for inexpressivo de início, importa começar.

 

Realidade, experiência e escola

 

 

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. (NÓVOA, 1992, p. 26)

 

 

Ao começar minha trajetória no PIBID, já foi possível enxergar isso que o autor António Nóvoa, diz sobre a formação do professor, que está indissociável com a formação da própria pessoa. Como mencionei em minha carta de intenções citada no início do texto, uma das intenções era a de adquirir experiência para uma formação docente ainda mais rica. É na práxis do dia a dia que podemos entender o que é de fato a profissão do professor. Tive a sorte de ficar no meio de um grupo muito bom, to aprendendo com meus colegas e absolvendo aquilo que acho importante pra minha formação. Lembro que uma coisa bastante citada em uma das reuniões do PIBID, fora a questão da frustração em planejar determinada atividade e na prática não ser como esperávamos. Eu e os demais colegas do meu grupo ficamos bastante entusiasmados no início com a criação do Projeto Enem no contra turno. Pessoalmente ainda tenho a vontade de dar aula em um pré vestibular, e pensava que o projeto Enem poderia ser algo parecido. Porém, para nossa decepção o número de alunos foi mínimo, somente duas alunas comparecem ao projeto, mesmo com a divulgação, incentivo por nossa parte, me parece que a grande maioria não se interessa de fato. Embora haja a questão do horário, de gente que trabalha, faz outros cursos e tudo mais. Mas ainda assim pelo menos para mim eu não consigo enxergar muita expectativa por parte dos alunos. É claro que eu e meus colegas queríamos uma turma lotada no projeto, mas decidimos que iremos continuar nem que seja pra uma pessoa.

Infelizmente pelo meu horário não ter sido muito favorável semestre passado na faculdade, eu não consegui participar de todas as atividades. Mas o pouco que participei eu procurei dar o meu melhor, e os que não participei procurei perguntar aos meus colegas como tinha sido a avaliação para tentar estar a par da atividade de alguma maneira. Outra atividade que desenvolvemos ao menos uma vez ao mês é o Cine Debate, que por ironia do destino não pude participar do primeiro filme que eu mesmo indiquei, no caso o filme A onda. Mas soube que o debate foi interessante e esclareceu algumas coisas para os alunos. Aliás, é um filme mais que necessário nesses últimos tempos. A principal questão do filme é se um novo nazismo seria possível. Curiosamente a inspiração do filme vem de uma escola nos EUA. O mesmo país que há cerca de dois dias foi cenário de uma manifestação nazista que chocou muita gente.

É preciso lembrar aqui a minha experiência com a própria escola. Inclusive já a critiquei por impedir que alunos entrassem no colégio por chegarem atrasados. Embora entenda toda a problemática que possa envolver o atraso dos alunos, independente de qualquer coisa eu acredito que lugar de aluno é na escola. Se a escola fecha as portas pra seus alunos, outras portas se abrem, e geralmente não são portas muito boas.

Com efeito, um ponto importantíssimo do PIBID é a mensal reunião dos grupos. É um momento no qual todos compartilham de suas experiências nos seus respectivos colégios, e isso é muito legal para a gente ter uma ideia da realidade das outras unidades também. Mas não só isso, o coordenador Marcus Dezemone, sempre procura articular temas chaves para as reuniões, fazendo uma mescla de roda de troca de experiência com instruções acerca do universo da educação. São reuniões que diferem bastante de reuniões que já tive dentro de outras plataformas de bolsa. Não são meras formalidades, são realmente construtivas e enriquecedoras. E esse com certeza é um diferencial do programa PIBID.

Contudo, achei importante deixar para o final os meus dizeres sobre a professora Flávia. Uma pessoa incrível, que vem me orientando em alguns aspectos da minha postura. É louvável a animação que ela dá aula. Disposição invejável, que com certeza inspira até o menos inspirado. Todavia, fico contente de tê-la como supervisora justamente pela liberdade que ela oferece a qualquer um dentro da sala de aula, graduandos ou alunos dela. Sempre procura fazer intervenções quando ela pede para tentar complementar alguma coisa, ou até mesmo para discordar, como recentemente ocorreu em uma aula. De início tive receio em dizer que não concordava pois voltando a questão de Paulo Freire, é preciso ter humildade, e nem sempre os professores tem essa humildade pra abrir o debate. Mas não, minha crítica foi recebida da maneira aberta e disposta a fazer um exercício dialético.

 

Novos desafios

 

Existem duas atividades ainda não efetuadas, mas que serão uma experiência muito boa para minha formação. As atividades consistem de uma exposição de slides sobre a revolução cubana que a própria Flávia tivera a ideia que eu fizesse para expor aos alunos após comentar com a mesma sobre umas questões do regime de Cuba que eu havia conhecido. E recentemente uma atividade sobre o comunismo na qual serei tutor de um grupo de alunos e os ajudarei na elaboração de um seminário.

Com efeito, ao produzir tal atividade eu percebi o quão difícil e responsável são tais atividades. Acredito que a responsabilidade de uma aula se assemelha a responsabilidade de um médico em uma cirurgia. Por isso procuro ter o mesmo cuidado na elaboração de um conteúdo que seja importante para a formação do aluno enquanto educando e pessoa. Faço isso seguindo o pensamento de Paulo Freire (1994), de que não há neutralidade de fato, a posição parcial do educador é que propícia o debate dialético. E isso mostra aos alunos que existem distintas posições. Portanto, ao contrário do que prega um movimento perigoso no Brasil, não há doutrinação. Justamente o contrário, o conflito de ideias divergentes dentro da sala de aula é que fazem o conhecimento surgir.

 

Bibliografia

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1967.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1994.

 

NÓVOA, António, coord. – “Os professores e a sua formação”. Lisboa : Dom Quixote, 1992. ISBN 972-20-1008-5. pp. 13-33

 

 

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