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Acervo Trajetórias Docentes

Entrevistado: Larissa Cristhina Giron Ferreira
Entrevistador: Memorial - PIBID
Tipo: história de vida
Duração:
Local:
Data: 11/01/2017
Sumário

Larissa Cristhina Giron Ferreira foi bolsista do Pibid no Subprojeto História UFF – 2014 (Entrega do memorial – 11/2017)

Apresentação

Me chamo Larissa Cristhina Giron Ferreir e sou natural de Gonçalo/RJ. Atuo como bolsista PIBID no Colégio Raul Vidal desde abril/2017 sob supervisão da professora Flávia Pereira e coordenação do Professor Marcos Dezemone. Aos 22 anos, sou aluna do 6º período da graduação em História/ Licenciatura pela Universidade Federal Fluminense. Mas antes disso ingressei no ano de 2013 no Bacharelado em Segurança Pública pela mesma Universidade, mas no decorrer do curso cheguei à conclusão da minha inclinação para o magistério. No ensino básico e no Ensino Médio, estudei em um mesmo colégio, o Centro Educacional Raul Veiga, em São Gonçalo, lá tive professores que tornaram-se espelhos para mim e que muito contribuíram para minha decisão.

Desde o primeiro período da graduação em História, no ano de 2015, procurei oportunidades extraclasses dentro da universidade. Através de uma bolsa de estágio interno não obrigatório, trabalhei em 2015 e 2016 como auxiliar administrativo na secretaria da Pós Graduação em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, onde aprendi bastante sobre as dinâmicas administrativas da UFF. Também em 2016, atuei como monitora voluntária na disciplina de História Antiga, sob orientação do professor Manuel Rolph de Viveiros Cabeceiras. Fora da universidade, tive a oportunidade enriquecedora de atuar como organizadora e professora de História em um pré- vestibular social e a cada aula aumentava a certeza da escolha que fiz junto a minha vontade de atuar em uma escola regular. Em março recebi a feliz notícia que havia sido selecionada para ingressar no PIBID.

Por que o PIBID ?

A atuação no PIBID foi o meu primeiro contato com uma instituição pública de ensino. Digo isso com pesar, pois o fato de eu nunca ter sido aluna da rede pública na minha formação básica está atrelado à preocupação dos meus pais com as condições de estudo que eu teria em colégios municipais e estaduais próximos ao local onde morava. Ao ingressar na faculdade, tomei mais consciência da luta dos profissionais da educação e apreendi essa luta como minha também. Lembro- me de ter dito aos colegas bolsistas na primeira semana no Raul Vidal que sentia que finalmente havia conhecido uma escola viva, com professores e estudantes que, apesar de todos os percalços, permanecem na busca por uma educação pública de qualidade e lutam para fazer esse direito valer. O PIBID preenche lacunas que estágios obrigatórios do currículo podem não suprir, pois abre portas para que possamos nos envolver mais com a dinâmica escolar. Além disso, não me furto a certeza de que ter profissionais da educação atuantes na minha formação e também atuar junto deles será no futuro uma bagagem de conhecimento tanto teórico quanto prático para meu exercício como professora.

O que temos feito?

O acompanhamento através do PIBID tem sido realizado com todas as turmas de 2º e 3º ano do Ensino Médio no horário da manhã, somando ao todo seis turmas. A história da instituição se inicia no ano de 1918 quando o professor Raul Vidal inaugura um grupo escolar com o intuito de viabilizar a educação na cidade, quase um século depois, o colégio permanece atendendo jovens, adolescentes e adultos na busca pela sua formação. O transcurso no tempo pode ser observado em um painel que hoje está exposto na sala dos professores, feito para celebrar o aniversário de 96 anos do colégio. As fotografias revelam mudanças que pouco a pouco moldaram o Raul Vidal como conhecemos hoje. Sua grande estrutura física sempre permitiu a realização de atividades como bailes e desfiles, hoje os estudantes desfrutam desse mesmo espaço para projetos como o Dia da Consciência Negra, que envolve tanto todo o corpo discente como o corpo docente. Realizado já há alguns anos, o projeto tem o intuito de despertar a conscientização acerca da identidade negra e do racismo, incentivar a autoaceitação e desconstruir ideias acerca de padrões de beleza socialmente impostos. O Dia da Consciência Negra está dentre as atividades a serem ainda realizadas pelos bolsistas na escola, que tem apoiado todas as iniciativas propostas. Contamos com uma sala destinada exclusivamente para a realização de atividades do PIBID História, além da disponibilidade da utilização de recursos de mídia e da biblioteca, que possui um acervo vasto e que muito contribui na elaboração dos trabalhos.

Além de todas as ideias compartilhadas e da observação, foram traçadas três atividades permanentes que devem ser desdobradas ao longo do ano: A monitoria, O Projeto Enem e o Cine PIBID. A monitoria tem sido um catalisador dos laços entre os estudantes e os bolsistas, pois a proximidade abre espaço para que os alunos se sintam mais à vontade em expor suas ideias e suas dúvidas, tanto pessoalmente, quanto pelas mídias sociais, que têm se mostrado uma ferramenta cada vez mais útil na troca de informações. Um exemplo disso é a atividade em andamento, que será culminada em setembro. Trata-se de um seminário sobre as diversas correntes sociais que surgiram a partir da revolução industrial, e os grupos nas redes sociais facilitam o contato full time dos bolsistas com as turmas, seja para indicação de material para leitura, vídeos ou dúvidas afins. Em apenas duas semanas de trabalho para o seminário, os grupos renderam conversas bastante construtivas e elucidativas sobre o tema proposto, além disso, o bate- papo realizado virtualmente é trazido para nossos encontros presenciais, tornando-os muito mais interessantes. Essa dinâmica nos ajuda a romper com a ideia de auditório (MONTEIRO; PENNA, 2011), que por vezes posiciona o professor apenas como transmissor de conteúdo, não havendo uma troca mútua entre ambos os lados.

A segunda atividade permanente trata-se do Projeto ENEM/UERJ e esse é, sem dúvida, um dos maiores desafios, visto que não se trata apenas de resolução de questões, aulas expositivas e debates, mas de construir junto com os estudantes a ideia de pertencimento ao ambiente universitário e mostrar a eles que, ao contrário do que lhes é dito por vezes, a universidade pública é um espaço deles por direito. Os encontros do Projeto ENEM/ UERJ são realizados todas as terças – feiras das 13h às 15h; até então temos contado com um número bastante reduzido de alunos, mas a persistência tem feito um diferencial para os poucos frequentes. Além do conteúdo de História para os exames, esse tempo também é fundamental para incentivá-los a enxergar o acesso à universidade pública como algo viável. Em tempos sombrios onde vemos todos os dias a educação ser sucateada por uma má política, mobilizar os estudantes a reivindicarem o que é deles é um projeto de mudança a longo prazo: Plantamos conscientização e estudo agora e colheremos cidadãos melhores no futuro. Uma conversa com uma aluna em um dessas tardes me chamou atenção para o estigma que os alunos da rede pública carregam e que, infelizmente, às vezes é reforçado justamente por quem lhes deveria motivar. Ela queixou-se de que muitas vezes se via sem ânimo, se achava incapaz porque até um de seus professores lembrava o tempo todo que passar no vestibular seria algo quase impossível para eles. Deste modo, a desconstrução de tais ideias, somada aos conteúdos de História tornaram-se nossas armas para quebrar discursos que tanto oprimem os estudantes. O Projeto ENEM/UERJ não é apenas mais um curso nos moldes de pré-vestibular, é um espaço de resistência dentro do Colégio Raul Vidal.

Por fim, a última atividade que decidimos trabalhar de forma permanente é o CinePibid, que propõe a exibição de filmes e um debate acerca da temática trazida. É levada em consideração para a escolha dos filmes a necessidade de discussão de temas bastante atuais e que dialoguem com as questões enfrentadas no cotidiano desses jovens e adolescentes. Além disso, há a preocupação de fazer uma ponte entre os acontecimentos históricos com a realidade próxima, ou seja, demonstrar que podemos utilizar diversos fatos na História para refletirmos sobre dilemas contemporâneos. Destaco aqui dois filmes exibidos e os debates propostos, respectivamente: A Onda, de Dennis Gansel (2008) e Hotel Ruanda, de Terry George (2004), que foi pedido por um dos alunos da turma de segundo ano.

O primeiro filme aborda a questão da disseminação de um discurso de exclusão que pouco a pouco se revela um forte discurso de ódio, os alunos foram instigados a pensar e debater como essas falas se fazem presentes hoje e quais são os meios de reagir a esse tipo de coisa. Em seguida, foi exibido um trecho de um dos discursos de Hitler, e trouxemos através da História o debate no que diz respeito a como ideias assim podem chegar ao poder, inclusive sendo ovacionadas pela população. O contraste entre os dois vídeos rendeu um misto de estranhamento e espanto, alguns afirmaram que têm medo de que ‘’ surja outro Hitler hoje ‘’, e então conversamos sobre os meios que temos para lutar contra isso. Hotel Ruanda foi uma sugestão de um aluno de uma das turmas de segundo ano. Da mesma maneira que o filme anterior, articulamos uma proposta de debate. Por se tratar de uma produção que aborda um evento real, fizemos uma breve contextualização antes da exibição para que houvesse uma melhor compreensão do assunto. Foi completamente perceptível que essa experiência despertou mais sensibilidade do que as discussões sobre o primeiro filme, devido a três pontos resumidamente: A identificação com os personagens que sofreram com a guerra civil abordada no filme, o descaso de ‘’ poderosos’’ com o acontecido e o fato de perceberem que tudo aquilo que o filme trazia de fato ocorreu. Os alunos viram na guerra civil de Ruanda, famílias sofrendo com a violência que eles muitas vezes vêem no seu dia a dia com os conflitos armados no Rio de Janeiro, foi também levantado questionamento de se estamos inertes hoje diante disso da mesma forma que muitas pessoas ficaram inertes enquanto muitos morriam durante a guerra. Perguntamos ‘’ De que lado queremos estar nos livros de História no futuro? Dos que assistiram o horror sem fazer nada, ou dos que usaram os meios que tinham para ajudar? ‘’ Todos foram para casa bastante emocionados, inclusive bolsistas, já que essas experiências são vias de mão dupla: Enriquecedoras para ambos as lados.

Como a escola ajuda a moldar nossa identidade profissional ?

A acolhida da escola aos bolsistas, sobretudo pela professora Flávia Pereira, docente há mais de 20 anos, deu base para o começo de uma nova caminhada na vivência do que é ser professor. O ambiente escolar vivo e as trocas de experiências tanto com os estudantes quanto com professores influenciam pouco a pouco o moldar de nossa identidade profissional, como pontua Nóvoa: Mais que um lugar de aquisição de técnica e de conhecimento, a formação de professores é o momento chave da socialização e da configuração profissional (NÓVOA, 1993 p.16). O PIBID proporciona não o estar na escola, mas o viver a escola. Longe de romantismos, vivenciamos a cada aula e atividade os desafios e os prazeres de um docente e a persistência na construção de conhecimento. Ademais, acredito que ter a contribuição de um professor atuante ao longo da formação a torna mais completa. A universidade, sem sombra de dúvidas, nos fornece ferramentas fundamentais nessa jornada, mas as experiências junto ao profissionais da escola abrem um leque de perspectivas sobre o que é ensinar, o que ensinar e como ensinar. A figura do professor deve ser levada em alta conta no que diz respeito na formação de novos professores (NÓVOA, 2011) e felizmente temos essa troca enriquecedora não só na escola, mas nas reuniões com os demais professores supervisores do projeto, podendo também ouvir a realidade de escolas diferentes e agregar mais compreensão do exercício docente.

A bagagem que o PIBID tem me dado

A convivência com os alunos desconstruiu muitas pré-concepções que trazia comigo quando cheguei ao Raul Vidal. Como disse, as atividades são catalisadores de laços que têm se fortalecido com o passar do tempo. A cada encontro saio repleta de aprendizado através do compartilhar de experiências de realidades tão diferentes que me acrescentam não só como professora, mas como pessoa. Os bate-papo com as meninas das turmas abriram meu campo de visão para os desafios enfrentados por nós mulheres desde cedo, a sororidade que se constrói traz em si mais esperança para enfrentá-los. Percebo diante disso que a escola ultrapassa as barreiras do espaço de reprodução de conteúdo formal, atingindo uma dimensão onde experiências individuais também estruturam o ensino e este é bem mais que uma mera transmissão de conhecimento conceitual, é um amálgama de valores, disciplinas escolares e experiências práticas.

 

 

 

 

 

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