Skip to content

Acervo Trajetórias Docentes

Entrevistado: Yasmin Rodrigues Corrêa
Entrevistador: Memorial - PIBID
Tipo: história de vida
Duração:
Local:
Data: 11/01/2017
Sumário

Yasmin Rodrigues Corrêa foi bolsista do Pibid no Subprojeto História UFF – 2014 (Entrega do memorial – 11/2017)

 

Memorial PIBID

 

Eu atuo no Colégio Raul Vidal, com a supervisão da professora Flávia Pereira e com a coordenação de Marcus Dezemone. Quando soube do projeto PIBID fiquei muito entusiasmada de poder fazer parte. Eu ainda não tinha tempo de porque trabalhava na época. Mas depois que me desliguei da empresa, estava procurando algum estágio e foi quando o PIBID abriu novas inscrições. É um programa que sempre me chamou atenção pela sua ligação com a educação básica, afinal estou num curso de licenciatura e sempre quis ter mais experiência na área e soube que o PIBID podia proporcionar isso. É preciso frisar que os estágios obrigatórios que temos na Universidade normalmente são mais de observação e portanto, nesse , temos poucas oportunidades de estarmos mais em atividades e ações mais concretas.

Por todo o ensino fundamental, estive em escola particular e somente no ensino Médio, estive em escolas públicas. Estudei no Liceu Nilo Peçanha em Niterói, cursando o 1° e 2° ano e depois me transferi para o CIEP 409 – Professora Alaíde de Figueiredo Santos para cursar o 3° ano, por ser mais próximo da minha casa. Quando ingressei na escola pública senti muito a diferença, tanto em questões negativas, quanto em questões positivas. Desde muito nova me via como professora, mas ao decorrer dos anos, ao me deparar com a realidade do professor, além dos próprios comentários da sociedade em geral, me desanimei. Mas quando fui cursar o 3° ano, tive a oportunidade de ter um professor de História que mudou muito a minha visão de mundo e, parte da minha escolha de graduação, se deve a esse professor.

O Colégio Raul Vidal é uma escola a qual eu já conhecia de vista. Minha rotina é passar em frente ao colégio e sempre tive curiosidade sobre ele. Quase não se ouvem vozes e quase não se vê a estrutura interna devido aos altos muros.

Ao ser designada para atuar nele, fiquei muito contente ao poder conhecê-lo melhor. Além disso, também fiquei insegura acerca da recepção dos alunos e como tudo iria funcionar.

A estrutura do colégio me incomoda um pouco, principalmente em relação aos longos corredores cinzentos e sem janelas e grades nas escadas como as de uma prisão. Há pouca cor nos corredores e apenas poucos murais o conferem cor.

Já no que se refere à recepção dos alunos, foi ótima. Senti-me muito acolhida e os senti animados com a nossa chegada, principalmente as turmas do 2º ano do Ensino Médio. Os professores e demais funcionários também mostraram-se muito receptivos e solícitos.

A escola enfrenta desafios muito semelhantes a qualquer escola estadual, mas, ainda assim, o Raul Vidal não passa por um processo demasiado de precarização, que já pude observar em outras escolas. Entretanto, cabe acrescentar, que nesse tempo já pude perceber alguns processos comuns a todas as escolas estaduais, como, por exemplo, a “otimização” de turmas, ou seja, a junção de duas turmas, ou até mesmo, a dispersão de uma turma em várias. E esse processo atinge, além dos alunos, acostumados com certa estrutura em grande parte do ano, os professores, que já estavam com um horário determinado e se vêem sem suas turmas, além de terem de buscar complementação de horas em outras escolas.

O colégio é repleto de estagiários, não só da UFF, mas também de outras universidades. Sendo assim, creio que os alunos do Raul Vidal têm grandes vantagens, pois tem a oportunidade de diversas atividades e diversos projetos ali desenvolvidos. Devemos pensar que o estágio, para além de nos conferir uma maior experiência na profissão que escolhemos, proporciona aos próprios alunos experiências que fomentam num enriquecimento de sua formação e passagem pela escola. Tudo consiste numa via de mão-dupla. E isso também dialoga totalmente com os objetivos do PIBID, ou seja, fazer uma ponte entre a universidade e a escola, a partir de uma troca de experiências e enriquecimento de ambos os lados.

Nesses primeiros quatro meses, realizamos duas atividades principais. Uma delas é o Projeto ENEM-UERJ, que consiste em retirada de dúvidas acerca dos vestibulares, da própria matéria ensinada na escola e resolução de questões de vestibulares. Embora houvesse uma empolgação com a nossa chegada, a atividade em questão não foi muito exitosa. Avisamos em sala e no nosso grupo do Facebook, todavia, conseguimos apenas duas alunas. Isso nos frustrou um pouco, mas, em compensação, tivemos alunas interessadas e engajadas.

Jean-Claude Forquin 1 aponta para o que ele define como “hierarquização de saberes”, o que significa que algumas matérias são mais relevantes que outras. E para responder como isso foi fundamentado ele apresenta duas explicações:

[...] explicações técno-fundamentalistas (estes seriam os saberes dos quais a sociedade ‘teria necessidade’ num estágio dado de seu desenvolvimento), tanto quanto das explicações em termos de pertinência pedagógica (estes seriam os saberes mais ‘formadores’ para o espírito, aqueles que permitiriam melhor desenvolver a inteligência ou detectar e selecionar os talentos).”

Infelizmente, essa ideia de valorização de uma disciplina e, consequentemente, a desvalorização de outra, está muito enraizada na sociedade e, portanto, dentro do espaço escolar.

Além desse fator importante, devemos reconhecer que muitos alunos não conseguem estarem presentes no contraturno, seja porque faz cursos, trabalha ou tem outros compromissos e tal atividade é inviável nos horários de aula.

Entretanto, essa situação se mostra muito ambígua. A outra atividade que realizamos e tivemos grande retorno foi o Cineclube, no qual exibimos filmes relacionados ao tema da aula corrente. Conseguimos obter entre 20 e 30 alunos em nossa atividade e que também ocorre no contraturno. São nesses casos que conseguimos perceber detalhes que nos fazem ter outras ideias de atividades. O Projeto ENEM-UERJ é mais descontraído que a sala de aula, porém, o Cineclube é ainda mais. E essa situação é totalmente compreensível, uma vez que, os alunos acabaram de sair de 5 horas de muita informação. Isso também nos deixa um pouco inseguros, por pensarmos se nossas atividades terão algum público. Afinal, faz parte de nossa atuação desenvolver atividades para com eles e a gente espera que possa haver um retorno.

Outro ponto que deve ser salientado que vivenciei nesses primeiros meses, é a concretização do que é visto na universidade. É perceptível a discrepância entra a História da universidade e a ensinada na escola. Foi algo que me fez refletir bastante, pois, mesmo num curso de licenciatura, o principal objetivo da maioria dos docentes é nos apresentar a pesquisa. Cabe reforçar, que a pesquisa não é desprezível, afinal nossa formação é de “professor-pesquisador”, entretanto, o peso que é relegado a ela contrasta com tais objetivos.

Quando nos vemos imersos na sala de aula de uma escola pública vemos a disparidade, vemos a chamada História Escolar. Essa disparidade pode resultar numa insegurança de como organizar uma aula com o seu aprendizado na universidade, sendo este muitas vezes incompatível com a realidade da sala de aula.

A concretização em si se dá quando percebemos toda a teoria na nossa prática. Quando temos contato com as matérias de educação e, portanto, com uma bibliografia teórica a respeito, parece tudo muito distante.

Entretanto, a prática, a vivência, o experienciamento nos proporciona enxergar na prática a teoria. Michael P. Young 2 apresenta dentro do “conhecimento”:

[...] uma distinção entre duas ideias: ‘conhecimento dos poderosos’ e ‘conhecimento poderoso’. O ‘conhecimento dos poderosos’ é definido por quem detém o conhecimento. Historicamente e mesmo hoje em dia, quando pensamos na distribuição do acesso à universidade, aqueles com maior poder na sociedade são os que têm acesso a certos tipos de conhecimento. [...] Assim, precisamos de outro conceito, [...], que chamarei de ‘conhecimento poderoso’. Esse conceito não se refere a quem tem mais acesso ao conhecimento ou quem o legitima, [...], mas refere-se ao que o conhecimento pode fazer, como, por exemplo, fornecer explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do mundo.”

Depois de poder transitar nos dois espaços, o universitário e o escolar, essa ideia de Michael Young se mostra totalmente visualizável. A escola é um espaço de conhecimento poderoso, conhecimento esse, que não poderia ser adquirido fora desse espaço. É um grande desafio, tanto para os professores quanto para os licenciandos, principalmente atuantes em escolas públicas, lidarem com alunos cientes de que a universidade é um espaço de conhecimento dos poderosos e cada vez mais vêem esse espaço com uma visão distante, como impossível de alcançarem. Muitos não se permitem sonhar com essa possibilidade.

Então, é muito gratificante, termos um projeto como o PIBID que busca fazer uma ponte entre esses dois espaços e poder incentivar esses alunos a buscarem seus sonhos. Afinal, hoje a entrada na universidade têm se mostrado mais acessível que antigamente.

Outro aspecto que pude perceber nessa vivência, são os saberes docentes. Além da sala de aula, a escola é muito múltipla e podemos ter acesso aos demais espaços. A sala dos professores também tem se mostrado muito rica de experiências e isso tem total relação com os saberes docentes explicitados por Maurice Tardif 3.

Conseguimos ter acesso na universidade, aos saberes definidos por Tardif como profissionais, que consistem nos saberes das ciências da educação que nos são transmitidos, disciplinares, que são de diversos campos do conhecimento, ou seja, disciplinas que cursamos na universidade e os curriculares que se referem a metodologias e objetivos que cabem ao professor formando aplicar e desenvolver.

Entretanto, um desses saberes não é nos dado na universidade. Tal saber é o experiencial. O saber experiencial, como já diz o nome, parte da agregação de experiências na atuação da profissão, ou seja, a partir da prática. Tardif reforça:

Pode-se chamar de saberes experienciais o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que não provêm das instituições de formação nem dos currículos.”

O PIBID de certa forma nos dá um pouco desse saber experiencial. Pelas atividades que realizamos para com os alunos, a observação e a troca de experiências como o professor supervisor, mas também com os demais professores, têm sido muito agregador.

Levando-se em consideração esses aspectos, sinto-me muito contente em poder participar do programa e poder fazer alguma diferença para com os alunos do Colégio Raul Vidal. É uma grande oportunidade de enriquecimento da formação profissional, além de realização pessoal e apaixonamento pela profissão escolhida.

Bibliografia

FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. IN: Teoria e Educação, 1992, vol.5. P.28

 

TARDIF, Maurice. Os professores diante do saber: esboço de uma problemática do saber docente. IN: Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. P.31-55

 

YOUNG, Michael P. Para que servem as escolas? IN: Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 101, p. 1287-1302, set/dez. 2007 Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>

1 FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. IN: Teoria e Educação, 1992, vol.5. P.28

2 YOUNG, Michael P. Para que servem as escolas? IN: Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 101, p. 1287-1302, set/dez. 2007 Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>

 

3 TARDIF, Maurice. Os professores diante do saber: esboço de uma problemática do saber docente. IN: Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. P.31-55

 

Arquivos de Áudio