Acervo Trajetórias Docentes
Entrevista Pública de Leandro Silveira (Liceu Nilo Peçanha)
Leandro Silveira: Olá, boa tarde. Primeiro gostaria de prestar minhas condolências a todo departamento de história pelo falecimento do Alexandre Vieira, pessoa que não convivi muito mas que pude perceber a chegada dele aqui e vi o quanto ele era excelente profissional, pessoa amiga e com certeza vai estar em bom lugar, resguardado pelos espíritos de luz.
Bem, segundo lugar, não posso deixar de saudar esse território. Quando chamo de território, digo essa sala; essa sala tem uma importância especial para mim porque eu vivi momentos muito intensos nesse auditório ao longo da minha trajetória na graduação/mestrado, mas mesmo antes de entrar na uff. Eu tava entrando quando eu soube que eu assumiria as duas primeiras turmas como docente, isso em 2004 no pré-vestibular Darcy Ribeiro, que funcionava aqui em baixo. Falando um pouquinho da infância, eu posso usar até uma alegoria: eu fui gestado numa escola, de alguma maneira. Meu pai foi vigia e assistente administrativo, fundador da Escola Municipal Maestro Heitor Villa Lobos na Ilha da Conceição aqui em Niterói, ainda no governo Moreira Franco. A minha infância, parte dela, foi dentro dessa escola, ainda com dois, três anos eu estava presente, eu estava naquela daquela escola, então a escola muito familiar, sempre foi muito familiar. Agora, interessante, Juniele e a todos, que em 1989 quando eu chego pra fazer, antes da alfabetização, o pré-escolar, aquilo me entediou de tal maneira... eu já sabia fazer aqueles negócios de subir e descer, os círculos, que eu virei pra minha mãe e meu pai e falei “não dá, chega, não vou mais naquele lugar porque é chato”; aí a professora Fátima, me lembro dela, ela disse: “olha traz ele ano que vem”. Em 1990, eu aprendi a ler no Villa Lobos, porque eu sempre fui muito impressionado com as palavras, eu sempre olhei nos olhos das pessoas, e quem em convenceu a estudar foi uma estagiária, Débora, ela falou assim “olha só, até você aprender a ler”, então aprendi a ler, “chega né? Quero mais isso não, já aprendi a ler, não era essa a tarefa?”. Em 1991, a gente vivia o governo Collor de Mello, toda aquela coisa, aquela movimentação, Zélia Cardoso de Mello, aquela coisa que sempre assistia na televisão já acompanhando política, eu ficava ouvindo rádio, acompanhando a telinha e o carnaval. Foi o ano do chuê chua da mocidade, bicampeã do carnaval, e eu não quis estudar não gente, eu não gostava da professora porque ela gritava e aí não teve quem me convencesse a ir pra escola em 91. Na primeira série, eu reprovei. Única reprovação que eu tive. Dessas coisas da vida, a minha prima, Ana Cristina, conversou, 3 anos mais velha que eu, ela sentou comigo e me explicou que era importante estudar, ela me convenceu a voltar a escola, fizemos um trato. Em 92 estava o Leandro no Villa Lobos, na primeira série de novo e, aí, uma professora marcante na minha foi a Shirley Correia Trindade, moradora de Maricá, professora do Ensino Fundamental que me mostrou que a escola poderia ser algo completamente diferente daquilo que se mostrava pra mim. Não era chato, era só uma questão de como o professor, eu já observava isso, conduzia a turma e ela conduzia a gente com alegria. Ah, dali pra frente parei de estudar mais não. Fiz o meu fundamental todo na Ilha da Conceição, sendo morador de outro bairro, e olha que a escola era muito bairrista, então eu era olhado com desconfiança pelos colegas porque é um forasteiro, “ah, ele mora lá fora”, e estudava muito, então era o CDF e o queridinho dos professores por conta disso também. Mas estudava porque a Shirley Correia Trindade me falou uma coisa muito importante, “olha, é o estudo que vai abrir as portas pra sua vida; tá vendo seu pai, sua mãe? Eles têm o fundamental incompleto, você lá na frente vai ter noção do que é estudar e ter um ensino superior mas pra isso você precisa estudar, vir a aula, não faltar, ler os livros, acompanhar tudo”. E assim foi. Saí do Villa Lobos em 99 com o coração apertado porque “o que vai ser de mim agora que vou para o ensino médio?”. Medo danado desse filho único de estudar em outro bairro que não fosse a Ilha da Conceição, até porque no meu bairro, Barreto, não tinha uma escola de ensino médio. E aí, várias opções, entre elas o Liceu Nilo Peçanha. No Liceu eu estudei de 2000 a 2002, uma universidade, desculpa a uff, eu amo a uff, tenho uma devoção, aprendi muito aqui na uff tanto na graduação quanto no mestrado, mas o Liceu foi a minha primeira universidade em todos os sentidos porque lá o mundo se abriu. Eu cheguei no Liceu abusadamente, me colocaram no turno da tarde, mas aí eu não gostava de estudar à tarde, eu subi com as escadinhas e fui falar com a diretora, bati na porta e ela não atendia, até que brotou do meu lado a secretária, literalmente, “quem é você que quer falar com fulana?”, “ quero mudar de turno”, “ela não pode te atender”, “mas porque? Ela é diretora e eu sou aluno, eu tenho direito”, “não, ninguém pode incomodá-la, ela acabou de almoçar”; era uma relação feudal que existia. Bem, a própria secretária, depois dessa figura enxertando o saco, falou assim “olha, eu vou te colocar no turno da manhã, na turma 1004”. Redenção, alegria, felicidade, eu era tudo o que eu queria. Eu queria estudar de manhã e aí eu pude encontrar pessoas muito importantes para a minha vida: professores, amigos, mas principalmente professores. Minha professora de biologia deu aula três anos seguidos, a Maria de Fátima Quintano Torres; Maria da Conceição Muniz, minha professora de física e hoje colega; Alaí, uma pessoa extraordinária, irmão da professora de Sociologia, Vilma aqui da UFF. Essas três figuras me mostraram um mundo que eu não conhecia. Me falaram de Brasil, me falaram de América Latina, me falaram de planeta terra. A partir dali eu fui podendo então começar a abrir a minha mente e falar “realmente, aquilo que a Shirley me falou lá atrás, o que a Ana Cristina falou de eu ser alguém, de ter uma profissão, de poder, de fato, caminhar e abrir as portas para ser um profissional é possível”. No segundo ano, eu encontrei aquela que seria um espelho em termos de história: minha professora de história do segundo ano, Celi Vaz de Araújo Chafin, uma campista que tinha vindo lá do Liceu de Campos e já estava no Liceu há muito tempo, ela mostrou pra mim o que era ser um professor de história. Professor de história é aquele que ensina no contato com o cotidiano, que vai ao livro, usa o recurso didático, mas que pode mostrar ao aluno do ensino médio e do ensino fundamental o que é uma fonte, ou seja, não é porque ele está lá que ele não pode ser um historiador; a tarefa, que aí vem uma coisa pra mim, historiar e investigar. A Celi se tornou uma segunda mãe pra mim, até hoje é o meu espelho. Ainda no Liceu, só para fechar essa etapa como aluno, em 2002, encontrei uma professora de matemática que nunca me deu aula, mas no momento tão doloroso da minha vida, quando perdi minha vózinha, ela falou assim “ih, não vai desistir não, sério, vem comigo”, e era ano de greve. Talvez tenha sido o primeiro ato mais corajoso da minha vida, quando em 2002, no dia 10 de maio, eu organizei um levante de alunos, não contra a greve dos professores, mas com relação à direção da escola, para que ela abrisse a escola para que a gente pudesse estudar sozinho. Quer dizer, sozinho não, a gente estudaria nos dias que não tivesse passeata porque nos dias de passeata nós iríamos com os professores pro Rio no ônibus do CEP (?) para ajudar. E assim fizemos. Invadimos o Palácio Guanabara junto com os professores já no governo Benedita da Silva, e foi uma das vitórias do plano de cargo de salários dos professores que a gente espera não perder aí diante a conjuntura atual. Saí do Liceu oficialmente dia 15 de janeiro de 2003, mas não saí de lá nunca. O Liceu sempre esteve presente com a minha vida porque o contato com essas professoras, direção, se mantinha também no meu cotidiano; e eu não tentei vestibular em 2002, o que revoltou alguns que ficaram na minha cola. A Fátima, de biologia, no ano seguinte, falou assim “olha, tem um pré-vestibular lá no ICHF, vai lá, procure”, e eu nem sabia onde era o ICHF; mas eu vim aqui, pedi uma vaga ao Bruno Lucia (?), que era estudante de história, e ele falou “tudo bem, tem vaga”. Fiz o vestibular pra UFF, pra UERJ, estava em dúvida ainda se fazia jornalismo ou história, por isso coloquei história aqui e jornalismo na UERJ. Passei nas duas e por opção financeira fiquei na UFF, era em Niterói e enfim, melhor curso da América Latina, então eu tinha que vir pra cá e já conhecia algumas entidades: Rodrigo Bentes era o nome que eu ouvia falar constantemente, Virgínia Fontes, Sônia Mendonça, Ciro Cardoso e.... vim, comecei em 2004 e me formei em 2008.
Juniele Almeida: E como é ser professor? Você fez uma escolha pela história, como chegou essa vez da profissão docente pra você? Durante o curso?
Leandro Silveira: Caiu no segundo dia de aula. Eu bati na porta da Regina Celestino, que era chefe de departamento, falei “Regina” - abusadamente, [incompreensível] - “boa noite, eu preciso trancar Antropologia I”, aí ela ”ninguém pode trancar Antropologia I”, e eu falei “mas eu tenho um trabalho social, o pessoal está formando, não tem coordenador, eu vou coordenar isso, já falei com Badarine e eu vou precisar estar aqui no horário de quarta-feira à noite para coordenar o curso”, “tudo bem”. Tranquei. Foi a melhor coisa da minha vida porque eu tive a oportunidade de fazer Antropologia I no semestre seguinte com uma das personalidades mais marcantes da Antropologia/UFF, Silvia Schiavo. Silvinha foi um contato magnífico para mim em 2005, que me ensinou a ler antropologia de uma maneira que ninguém poderia ter feito, era especial... [incompreensível], entre outros. Foi muito marcante. E essas experiências com o pré-vestibular, você imagina, 70 alunos aqui onde hoje é o Proprietas e 35 na antiga sala 214 aqui no bloco O; pessoas de inúmeras procedências - Maricá, São Gonçalo, Niterói -, classes sociais distintas e eu coordenando tudo isso. Eu não tinha a dimensão, né, não pesou, ainda bem que não pesou porque eu pude levar de maneira tranquila. Tem uma história marcante com um professor e coordenador, foi quando me bateu a porta aqui a Miriam Aragão, baiana, recém-chegada da Bahia com seus 35 anos, uma poetisa nata, uma escritora nata que queria estudar e que tinha perdido o prazo do sorteio, tinha perdido a oportunidade mas queria estudar e que me implorou na porta do bloco O, “me deixa estudar”, e eu deixei. Eu “burlei”, mas não me arrependi porque além de ganhar uma amiga, ela pôde superar inúmeras dificuldades, pôde tentar os seus cursos, seu ENEM, ser vitoriosa e, toda trajetória nesses sete anos de coordenação, de pré-vestibular na UFF, de professor, me ensinou isso, você tem que ter amorosidade, nem todo mundo que chegar quer estudar, mas ao mesmo tempo, não é porque alguém está batendo na porta e não está dentro da regra, não merece estudar, não está falando a verdade e às vezes você vai ajudar vidas. Em 2010 eu tive uma experiência fantástica, já não aqui no ICHF mas lá no Mequinho, lá na UFF da Jansen de Melo, projeto “Oficina do Saber”, eu tinha uma turma metá metá - vou usar uma linguagem do candomblé -, metade da turma tinha a média de 55 anos, tinha uma senhora com 70, e a outra metade a média era de 17 anos. Era uma turma e muitos colegas apostavam que não ia dar certo, afinal de contas, essas senhoras deveriam estar em um projeto de EJA ou aceleramento, de algum modelo diferente daqueles meninos que estavam ainda no ensino médio ou saindo dele; e, junto com uma amiga já falecida, Thaíza, impunhamos “não, deixa todo mundo junto porque os meninos mais jovens são extremamente imaturos, então eles precisam aprender com o exemplo dessas senhoras porque elas são estudiosas, elas vem pra cá, elas lutam e elas estão inseguras porque há muito tempo não estudam; então esse contato pode ser produtivo”. Era uma turma de 50 alunos, 35 entraram para a universidade naquele mesmo ano. Lembro da Maria José, agora já com quase 80 anos, formou em fisioterapia esse ano, quer dizer, um orgulho muito grande para mim. Não foi mérito meu, longe disso, mas foi mérito de uma aposta. Eu sempre digo: “as vezes a gente tem que parar, respirar, usar a intuição e atuar”. Ainda com relação ao pré-vestibular aqui na UFF, estaria na presença, já que a Regina está aqui, a Regina foi uma das pessoas que mais me ajudaram nessa tarefa, Regina sempre foi um anjo de guarda, seja alimentando os meninos com fome, seja ficando de olho porque foi fácil não, muita gente da universidade, infelizmente, tentou acabar com o projeto. A gente acha assim “ah, a universidade é aberta”, e não é não, a gente tem que estar cotidianamente para manter a universidade aberta a todos, não só quem já conseguiu passar pelo ENEM, pelo vestibular, mas para aquele que vem visitar. Então essas marcas, o pré-vestibular foi pra mim algo extremamente enriquecedor, quer dizer, sem nenhum demérito aos professores de Prática de Ensino que eu tive, num comparativo, foi o pré-vestibular em 7 anos que me ajudou a fazer uma espécie de uma pós-graduação para me tornar um professor mais adequado. Com certeza.
Juniele Almeida: É importante porque o Leandro vai colocando de alguma forma a questão das comunidades, tanto da comunidade escolar, quanto da comunidade universitária, que ele sempre está muito atento a isso, e é uma questão importante na sua história de vida também, né Leandro. Mas do pré-vestibular como elemento de formação, eu queria só que você dissesse dos temas que você escolheu dentro da história e como isso chega na sua entrada como professor do Liceu e como você escolhe para a Residência Pedagógica.
LeandroSilveira: É, a questão do samba repassa a minha vida desde sempre. Eu sempre digo que eu nasci, era para eu ter nascido dia 16 de fevereiro de 1983 e eu burlei isso, nasci dia 6 porque carnaval era dia 13, então acho que de alguma maneira aquela criança queria vir a terra para já cantar li, Beija-Flor em 83, “ô ô ô Yaôs quanto amor, quanto amor”, já precisava né, não tenho cara de quem nasceria na quarta-feira de cinzas. Enfim, mas é o samba enquanto essência da minha vida, ele perpassou e perpassa a sala de aula desde sempre. Desde os seminários lá no Liceu e aqui no pré-vestibular, eu tive que atuar como professor de história, da América, história do Brasil e professor de literatura, então a música, o universo musical, sempre foi uma ferramenta pedagógica para mim e deu muito certo porque, de alguma maneira, você imagina 70 alunos, ter que prender a atenção deles em um primeiro momento. Então a música foi... eu comecei, a minha primeira aula foi com o Canto das Três Raças com Clara Nunes e foi muito significativo para mim. Eu fui criando, em 2006 eu cheguei até a escrever um material que vai sair um livro um dia, que é o samba-enredo como material pedagógico. O samba-enredo me acompanha, quer dizer, contar ou recontar a história a partir do samba e através de sinopses, através de samba-enredo. Então, no pré-vestibular, sempre foi uma marca trabalhar a história da África, história do Brasil, ou literatura utilizando esse tipo de material e esse tipo de ferramenta. Em 2013, a contragosto da Regina, eu me aposento, anuncio minha aposentadoria do pré-vestibular, digo “chega, acabou”, senti que o meu momento nesse tipo de trabalho tinha acabado, passei a trabalhar no PROPRIETAS com a professora Marcia Motta, uma atividade de pesquisa, uma bolsa FAPERJ, e tinha feito concurso para SEDUC em 2011, nem imaginava que fosse chamar, já tinha até achado que o concurso tinha caducado. Até que uma amiga minha, que estudou comigo, [incompreensível], me manda uma mensagem “olha, eu vi seu nome no diário oficial, passou, está sendo convocado e tem que ir lá, procura aí”. E aí fui, 2015, olha que foi dureza pra assumir porque eu tive que fazer perícia em Macaé, foi chão, cheguei em Macaé, a viagem longuíssima, voltei, fiquei meia hora em Macaé, voltei, deu tudo certo, assumi e fui dar aula, você pega horário, todo picado, Aurelino Leal, Doutor Memória, dois tempinhos no Liceu. Eu fiquei inicialmente em três escolas, no mesmo ano eu acabei trocando, eu fui pro Joaquim Távora, um excelente trabalho lá com a Jacinta, porque aí uma professora [incompreensível] do Liceu se aposentou, professora Ana Maria, consegui uns tempos pra mim e aí em 2016 eu já assumi todos os tempos do Liceu Nilo Peçanha. E aí é interessante essa volta pro Liceu como professor porque os ex-professores, agora colegas, além de orgulho muito grande, começam a não só dar uma força muito grande, mas também querem passar quase que uma herança, “agora é você quem faz, né, agora é contigo”, e eu sempre dizendo, “agora é conosco, estamos todos aqui e devemos manter a construção da escola”. O Liceu durante um bom tempo passou por processos de muita dor, teve o episódio da queda do teto, a escola quase foi fechada, os professores tiveram que lutar muito no governo Sérgio Cabral para que ali não se transformasse em outra coisa que não uma escola, porque o prédio é um prédio [incompreensível] então muita gente tem olho naquele prédio. Então a escola passou por uma sacudida muito grande e aí eu volto em um momento em que felizmente a gestão da Ana Maria, da Katia e da Claudia, com muita dificuldade porque é muito difícil gerir uma escola, começaram a colocar as coisas no lugar, a reorganizar administrativamente, pedagogicamente. A escola que é uma escola de muita importância pela sua história, mas é uma escola que no presente também é importante porque tem professores de alto nível, com uma experiência muito bacana, e tem estudantes também que, graças a Deus, se colocam proativos, eles desejam aprender, estão dispostos a aprender. Então nesse sentido, nesses três anos, eu tenho exercitado a escuta, escutar o colega, escutar a direção, escutar os alunos, e nesse sentido a minha chegada no Liceu também tem sido, ao longo desses três anos, eu tenho podido fazer um exercício de reflexão da minha própria prática, porque até então eu não fazia, não porque eu não quisesse ou por vaidade, porque eu tinha que responder demandas muito rapidamente porque eu tinha que coordenar e dar aula ao mesmo tempo e isso é muito difícil, você equilibrar vaidade, você aparar os zeros, é muito difícil você equilibrar você equilibrar isso com a sua prática de sala de aula, então, assim, coordenar coisas eu tenho, não dificuldades, mas vou sempre preferir não dirigir e sempre estar trabalhando. Nesse sentido eu sou um tarefeiro porque eu acho que eu, não é questão de produção, mas é uma questão de atingir o objetivo, ser certeiro e aí nesse sentido eu acho que nesses três anos eu consigo fazer meu trabalho com mais eficácia, com início, meio e fim, né, to formando agora no final desse ano, os primeiros alunos daquela turma que eu iniciei de fato, que eu assumi como minhas em 2016. Semana passada eu chorei em sala de aula, é óbvio, porque quando você faz uma retrospectiva e vê como aquele estudante chegou, como ele está saindo né... aí você olha “nossa, como mudou, como cresceu, po, eu ajudei um pouquinho”, e eu me observo também, “poxa, eu era assim, eu era mais intransigente com isso, hoje eu não sou tão mais com isso, isso não me afeta”. E a gente vai envelhecendo no bom sentido, mas a gente também adquire experiência, porque a gente começa a perceber que o espaço da sala de aula, o professor deve ser, pelo menos pra mim, ele deve ser menos um ator principal, ele que ser coadjuvante. Lógico que em alguns momentos você tem que assumir a tarefa de ser o papel principal, mas em outros você tem que ser apenas coadjuvante, o fato de você atrapalhar ajuda em algumas questões enormemente e é você saber ouvir. Agora, já partindo para a escolha do PIRP, quando eu soube da seleção, eu tive aquele insight assim “agora tá na hora, tá na hora de você atuar como um agente transformador que você criticou”, e aí eu fazendo a crítica a mim mesmo, eu lembro daqui, estava ali sentado e eu criticava as professoras Sonia [incompreensível] e Arlete, elas queriam mais tempo pra pedagogia, ainda lá na reforma do currículo de 2005 e aí eu lembro da Marcia Motta e da Martha Abreu, “não, não vão mexer nas eletivas”, aquela coisa toda. Enfim, eu fiquei do lado da professora Magali Gouveia que agora está lá na Bahia, a gente criticava essa questão de muitas horas sem um planejamento, que era o que parecia para gente... e aí, agora falei, “agora está na hora de você fazer meia culpa, vai lá, vai atuar, vai ver como é na prática, vai de alguma maneira participar, porque lá trás, há dez anos, há onze anos atrás você criticou, você dizia”, e dizia mesmo, eu assumo isso, “que a formação do estudante de aluno de história na uff era solto”. Solto no sentido de que era só cumprir um horário na escola e agora não é, quer dizer, eu vejo isso no PIRP e eu estou atuando para que não seja assim, eu acho que estou fazendo esse caminho e vejo aqui os colegas que também são preceptores indo nessa direção, o que me deixa muito feliz, da gente poder dar ao licenciando a oportunidade de aprender de fato o que é o chão da escola; aprender de fato o que é o chão da escola não é só estar presente na sala de aula observando, não é só observar e dar uma aula, mas é trazer, você ser parceiro desses, no caso comigo tem 8, desses 8 licenciandos no sentido de “vamos lá, caminha junto comigo? Que eu também tenho dificuldades”. Professor tem um pouco de dificuldade de dizer que tem fraqueza né... eu não tenho não, sou um ser humano em construção, em constante aprendizado e tenho dificuldades. A gente já enfrentou lá no Liceu alguns desafios, primeiro a inveja, o olho grande, que tem a dificuldade do outro aceitar que você está com projeto e ele não está, e como isso cria disse me disse, todo lugar tem, como é que você lida com isso de uma forma educada, sem ferir [incompreensível 7:50 3] mas sem também se deixar, se colocar como algo menos? Mais do que isso, que escola é essa? Esse residente, ele não pode só ter a fala do professor, ele tem que experienciar, ele tem que vivenciar esse chão da escola para entender que escola é essa, o que que é uma escola pública no Rio de Janeiro hoje? Nós temos inúmeras dificuldades para fazer um trabalho em escola pública, dificuldade de recursos, dificuldade de material, mas dificuldade da população e da nossa sociedade hoje de entender que a escola pública... Que que é a escola pública? Será que ela realmente é menor? Ou ela tem que ser menor que a escola particular? Ah, me desculpe, não é não, a escola pública onde eu atuo, as minhas aulas serão sempre as melhores que eu puder dar. Nesse sentido, não cabe eu fazer um julgamento prévio das turmas e falar assim “olha, eu sou professor do primeiro ano e do terceiro ano e vou elaborar um roteiro de aula e enfiar em cima dos meus alunos”, desculpa, não é assim. Eu sei que eu não sou psicólogo, que eu não sou assistente social, mas a minha profissão exige algum cuidado e alguma experiência, algum estudo nessa área para eu entender com quem eu to lidando; quando eu entro em sala de aula, eu tô lidando em cada sala com 30 e 40, e cada 30/40 traz uma história e eu tenho que minimante interagir com essas histórias para saber que aula eu vou dar. Então eu tive esse ano 4 turmas de primeiro ano, mas eu atuava de uma maneira diferente em cada uma delas, porque a necessidade de cada uma delas é diferente, lógico que eu ouvia de colegas “você gasta muito tempo, você tem uma paciência muito grande com esses alunos, você se desgasta muito, seu salário é muito pequeno para isso”. Não, eu não me permito trabalhar em uma coisa que eu não goste de fazer. Eu sou chato com isso então eu vou fazer diferente sim. Eu tive dois desafios enormes esse ano que quando vi, eu falei “eu não vou dar conta”, duas turmas de terceiro ano, a 3005 e a 3008, turmas recheadas de estudantes adeptos de um determinado candidato que acabou ganhando a eleição e que estavam prontos para atacar o professor de história, fosse ele quem fosse porque na mentalidade deles, professor de história é comunista, “petista, comunista, e ista, ista, ista” e tem que ser rechaçado, então foi um desafio pra mim. E o desafio maior foi encontrar o filho da Ana Cristina, minha prima, como, a mesma Ana Cristina que me incentivou a estudar lá trás, o filho dela era um dos líderes da [incompreensível], quer dizer [movimento com os braços]... e ele não sabia que era meu primo e eu não lembrava muito bem dele. Então no primeiro dia de aula quando eu falei “Romulo Manhãs”, falei “meu primo”, “como assim?”, “você é meu primo”, “ah, professor”, “é, meu nome é Leandro Manhãs Silveira”
Juniele Almeida: Ser primo do comunista, né [risos]
Leandro Silveira: “Não sou”, “sua mãe não é Ana Cristina?”, “é”. E foi o tempo todo esse embate, essa tentativa, da coisa da Escola Sem Partido ali, porque o Liceu teve um episódio de Escola Sem Partido recente, e tal, e eu tive que me virar em inúmeras estratégias para sobreviver, até que com a chegada do PIRP, dos meninos, e com a elaboração da mostra da cultura negra, que já é a quinta.
Juniele Almeida: Aproveitar que já está nos seus minutos finais, aí você fala em receber os meninos
Leandro Silveira: Quando eu recebi os meninos lá, já em setembro, de agosto para setembro, houve um estranhamento, “novidade, está chegando gente, vamos lá, vamos ver quem são eles”. Mas aí me trouxe não só uma segurança maior para lidar, mas também eu pude exercitar a escuta e aí eu pude finalmente encontrar um caminho pedagógico, sair mesmo do pedestal porque eu fiz uma... uma... sei nem se eu cometi um ato falho mas eu já botei os meninos na fogueira no sentido de que “vamos lá, vamos trabalhar, é importante reconhecer o chão da escola, vamos reconhecer os alunos, os colegas professores, vamos lutar politicamente pelo nosso território aqui, mas vamos também atuar na sala de aula”. E aí eu dividi seis temas: o samba-enredo, partido alto, a culinária afro-brasileira, o jongo, o hip hop e o funk, e dividi os bolsistas pelas turmas, cada qual responsável, no caso em duplas ou individualmente, responsável por gerir ou me ajudar a conduzir aquela turma, mas tive uma coisa muito interessante, que eu julguei também. Como metade ia na terça de manhã, metade ia na quarta a tarde, todo mundo que ia terça-feira participava de todos os temas durante a terça feira e vice-versa. Como alguns estavam fazendo PPE, então acabou que muitos participaram de tudo e foi extremamente enriquecedor porquê de uma parte eu me sentia ajudado porque eles me ajudaram ali a conduzir as turmas e de outra parte eu acho que eles puderam ter experiências fortes, já lá dentro do chão da escola. Fiz um passei à UERJ com as turmas de 3º ano que Bruna, Bruna Lamego, foi extremamente importante, não só por ter gravado toda visita, mas por ter podido experimentar coisas. Eu observava aquelas turmas, até de alguma forma de orientou “ir dessa forma, não dessa”, e deu certo.
Juniele Almeida: [incompreensível]
Leandro Silveira: É, com Tiãozinho da Mocidade, com a Geisa Ketti, que é a filha do Zé Ketti, e com Anésio Meirelles, o pai do Ivo Meirelles, que é um dos baluartes da Estação Primeira de Mangueira. E Ana Paula com uma turma, com um grupo de uma turma, me ajudou a fazer um dos trabalhos mais extraordinários que eu já vi. Eu já tinha feito várias visitas com turmas na Pedra do Sal, e até turmas muito grandes no pré-vestibular, dessa vez nós fomos com oito, e talvez pelo número reduzido de estudantes – e tem a sensibilidade da Ana Paula que é muito grande -, a gente foi observando alguns detalhes: daqueles oito estudantes, seis nunca tinham atravessado a ponto, a baía, nunca tinham vindo ao rio. E muitos se reconheceram naquela história né, na negritude, na africanidade, no afro-brasileiro, e a gente gravou um material que vamos usar ainda futuramente, e ali vi também o sofrimento da própria Ana Paula, que sofreu no chão da escola um preconceito, mas que não se abateu, nós não nos abatemos, nós conseguimos pular essa etapa. E a mostra de cultura negra do Liceu fluiu de uma maneira muito legal, inclusive já foi gravado um documentário pelo filho de uma das professoras, e olha que é o momento em que, por conta da eleição, muitos professores tinham pensado em desistir. Não. Fizemos, levamos umbanda, candomblé, partido alto, samba-enredo, jongo, hip hop e funk pra dentro da escola. Contamos as histórias, as memórias, e mostramos pra escola, até usei a palavra “reexistir”, que é preciso que a gente reexista a todo momento, a educação, para ser bem feita, ela é simplesmente libertadora. E assim que eu acho que a educação deve ser, libertadora. Não é libertadora no sentido de que eu vou dar caminho para ninguém, não vou dar, cada qual vai poder através da educação confluir seu próprio caminho, mas pra isso ele precisa conhecer, ele precisa se conhecer e acima de tudo, ele precisa se reconhecer. Isso, eu aprendi com uma querida pessoa na Faculdade de Educação, Maria Lucia de Oliveira, um ser humano extraordinário, uma professora que venceu o câncer em 2001, minha professora de didática e depois eu fiz uma outra disciplina com ela, “História, Educação, Sociedade”, e dela trago isso, trago um pouquinho de Darcy Ribeiro - já até sonhei com Darcy Ribeiro -, o espírito de Darcy Ribeiro de vez em quando [incompreensível] e eu adoro, de vez em quando me dá umas dicas importantes. Tem nomes que eu não posso deixar de falar, Juniele, as minhas leituras, Paulo Freire, [incompreensível], Déa Fenelon... Déa Fenelon é de uma importância extrema na minha, no meu estudar, e além de tudo formou uma das pessoas mais especiais para mim em termos de história, que eu não citei e não poderia deixar de citar, que é a professora Laura Antunes Macedo. Laura foi minha orientadora na graduação e no mestrado, Laura é um ser extremamente, é especial demais pra minha vida ainda, uma figura doce, pra quem conhece de perto parece muito, as vezes ela pareceu muito ser um pouquinho rígida, mas é uma figura doce e uma figura comprometida com aquilo que assume, que é a educação. Devo muito à Laura. Devo a tantos outros aqui do próprio departamento, mas em memória a figura do Théo Lobarinhas Piñeiro, que foi uma pessoa muito importante também na minha trajetória. Toda vez que alguém ia perturbar o pré-vestibular, eu batia na porta do Théo, “Théo, tá dando não hein, Théo, me ajuda lá”, e ele, oh, pegava o telefone “deixa, tem que ter o pré-vestibular, vamos lá, vamos arrumar uma sala”, porque o negócio aqui era espaço né. Então, o Théo onde estiver, eu sei que está bem, também devo muito ao Théo, professora Maria de Fátima Gouveia também é uma pessoa muito importante, e também não posso deixar de falar da professora Maria Fernanda Bichalho, que no momento que eu quase larguei o curso de história, ela disse assim pra mim – e eu vou ter que fazer - “nem pensar, você sair”, toda devoção à Maria Fernanda, que amo de paixão. Enfim, já está estourado o tempo, queria terminar com um samba que... nada é coincidência, né gente, estamos vivendo essa situação no Brasil, a educação tem sido vilipendiada, usurpada, demonizada, assim como o carnaval do Rio de Janeiro vem enfrentando um momento bastante difícil, nunca na história deste país um carnaval foi tão criticado, vilipendiado, mas ao mesmo tempo, aí me faz resgatar a minha monografia – que eu estudei os sambas enredos críticas lá da década de 80 e 90 -, e aí dá felicidade apesar de toda crise e apesar do Crivella. A Estação Primeiro de Mangueira, através do meu xará, só que Leandro Vieira, resolveu fazer um carnaval de 2019, apesar do Chiquinho da Mangueira, “História Para Ninar Gente Grande”, e o samba diz o seguinte: “Brasil, meu nego deixa eu te contar, a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar, na luta é que a gente se encontra; Brasil, meu nego, a Mangueira chegou, com versos que o livro apagou, desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento, tem sangue retido, pisado atrás do herói emoldurado; mulheres, tamoios, mulatos, eu quero um Brasil que não está no retrato; Brasil, o teu nome é Dandara e a tua cara é de cariri, não veio do céu nem das mãos de Isabel a liberdade é um dragão do mar de Aracati; salve os caboclos de Julho, quem foi de aço nos anos de chumbo; Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês; Mangueira! Mangueira, tira a poeira dos porões, ô abre-alas dos seus heróis de barracões, dos Brasil que se faz um país de Lecis, jamelões; São verde- e- rosa as multidões”.